Isto aqui ô ô é um cheirinho de Brasil

Quadro "Operários", Tarsilado Amaral, cerca de 1930

“ Isto aqui ô ô,

É um pouquinho de Brasil, iá iá
Deste Brasil que canta e é feliz,
Feliz, feliz
É também um pouco de uma raça,
Que não tem medo de fumaça ai, ai,
E não se entrega não “ Ary Barroso.




Vamos ao Brasil? O Brasil é um país imenso do outro lado do Atlântico, onde os portugueses chegaram a 22 de Abril de 1500, os portugueses chamaram-lhe Descobrimento, os Brasileiros Achamento, porque o Brasil já lá estava e tinha gente e cultura própria.
Dessa gente, recuando 4 gerações, tenho ascendência, o meu trisavô foi para lá apanhar borracha, voltou com uma índia, cresci a ouvir as tias velhotas a dizer que eu tinha os traços, isto valeu ao meu ascendente ser deserdado, a ela, pois, não sei abandonou a sua tribo, os sabores, as cores, o clima a que estava habituada, era das tribos Guarani, exactamente as que estavam na confluência de um dos maiores aquíferos do mundo e que parece que o Presidente não eleito, Michel Temer se prepara para dar de mão beijada à Nestlé e Coca-Cola.
Durante uns seculos os portugueses andaram na orla costeira, mandavam para lá pela mão do Santo Oficio, padres, cristãos novos, crianças retiradas à família por acusação de heresia, pegaram um monte de doenças aos índios, caçaram-nos para os escravizar, tentaram impor a sua fé, sacaram ouro e pedras e a riqueza do Reino de Portugal assentava “Nos Brasis”.
Ahhh também descobrimos ou achamos outros países, na Costa Africana e fizemos trafego legal e em nome de tudo quanto é sagrado de pessoas, milhares, escravizados e enviados para o Brasil como força motriz de trabalho para tudo.
Nos entretantos, o Brasil foi achado por outros países que disputavam as suas riquezas, cada um a deixar a sua marca, em 1807, face à ameaça das invasões Napoleónicas, a corte portuguesa mudou-se para o Brasil, ficando para sempre no imaginário dos dois povos, o estranho D. João VI, a sua real esposa Carlota Joaquina e depois os seus filhos, especialmente D. Pedro, herdeiro, que ficou no Brasil e em 1821 dá o famoso Grito do Ipiranga, resolve que o Brasil é independente e fica com D. Pedro I, Imperador do Brasil, ainda hoje há uma Escola de Samba no Rio de Janeiro com nome de Imperatriz Leopoldina, sua mulher, entretanto passou os seus direitos ao trono português à sua filha Maria da Glória, futura D. Maria II, com a condição de se casar com o tio Miguel, irmão de D. Pedro, assim não foi e deu porrada por cá.
Por essa altura a escravatura tinha sido abolida na maioria da Europa e os governantes brasileiros, portugueses, assim assim, inventaram a Lei do ventre livre, era escravo quem já era os que nasciam depois daquela data eram livres….eram livres sem educação, sustento, apoio, com os donos das mães a mudar a data de nascimento de modo a que não fossem abrangidos, etc e tal…
Nessa altura o Brasil já era um exemplo de mistura étnica, mas expandiu, quando a escravatura acabou mesmo e os donos de engenhos de açúcar, plantações de café e de cacau, tiveram de substituir aquela mão-de-obra barata por outra, vieram à Europa, uma Europa paupérrima, e por vagas, italianos, portugueses e um pouco de toda a Europa foram, muitos à procura da riqueza do Brasil, a maioria para substituir trabalho escravo.
Desta mistura espantosa nasce tudo o que o Brasil têm: uma cultura variada, uma música espantosa, uma religião que cruza raízes africanas com cristianismo, e gente, mulatos, caboclos, cabritos, chamem o que quiserem.
Daí nasceu o samba, a moda, o choro, o candomblé, a Bossa Nova e um português cantado.
No século XX o Brasil tornou-se conhecido pelo Carnaval, também por uma ditadura depois de uma República liberal, parece familiar? È muito a nossa impôs-se em 1928 liderada por António Salazar a deles por Getúlio Vargas em 1930, ambos países apoiantes do “Eixo”, que era o conjunto de países que apoiavam Hitler.
Os brasileiros sofreram horrores e nós continuámos a ajudar à festa, até os torturadores de lá vieram aprender com os da PIDE, por essas alturas Luís Carlos Prestes, liderou a “Coluna Prestes” constituída por militares abandonados à sua sorte no Rio Grande do Sul, sem mantimentos, comunicações ou munições, em dois anos e cinco meses percorreram 25000Km a pé, mil e quinhentos homens, dos quais metade morreram de cólera.
Esta passagem pelo interior do Brasil permitiu que vissem o que muitos não queriam, a miséria, a fome, outras formas de escravatura, Prestes denunciou em toda a linha, passou à clandestinidade em 1930, ganhando o cognome de “Cavaleiro da Esperança”.
Liderou a ANL Aliança Nacional  Libertadora, que pretendia a reposição da democracia no Brasil, acabou por ser preso, destituído da patente de Capitão e a sua companheira Olga Benário, nascida alemã e judia, foi entregue pelo regime de Getúlio Vargas ao Regime Nazi, estava grávida, mas acabou numa Câmara de Gás em Ravensbruck, a filha Anita, foi resgatada pela mãe de Prestes.
O Estado Novo Brasileiro terminou em 1948, e Prestes foi eleito Deputado, ele e mais uns quantos como Jorge Amado ou Carlos Miraghela, nessa época os caminhos de ferro brasileiros eram explorados pelos ingleses, as minas de ouro e pedras preciosas, as madeiras, a borracha, o cobre, por outros potentados, o Brasil parecia condenado a ser uma fonte de riqueza para uma elite estrangeira, um recurso de mão de obra quase escrava e um prostibulo mundial.
A Ditadura Militar instala-se em 1964, mas em 1958 já o parlamento tinha sido dissolvido e todos os que eram contra o Regime começaram a ser presos ou a auto exilar-se.
Foi assim com Prestes e Jorge Amado, mas de uma maneira ou de outra tudo o que era novo, atrevido ou que criticava o Regime acontecia o mesmo: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Ferreira Gullar, Oscar Niemayer, Glauber Rocha, Augusto Boal, Geraldo Vandré e até Rita Lee.
Com mais ou menos abertura, o Regime durou até 1985.
Nunca se perguntaram porque é que os Salgados deste país fugiram para o Brasil após o 25 de Abril de 1974? Lá estavam seguros.
O Brasil, um país rico, com desigualdades sociais gritantes, que nem as novelas da Globo mascaram, as favelas, milhares de crianças a deambular a prostituírem-se, roubarem, sobreviverem que tiveram voz quando a Polícia Militar efectuou o “Massacre da Candelária” matando friamente 8 crianças à porta de uma igreja, os sem terra, camponeses amarrados a um latifúndio que depois de expulsos nada possuem, os índios eternamente perseguidos, e a frase lapidar do branco mais preto do Brasil, Vinicius de Moraes “Todo o pobre é preto!”
Cresci a ouvir Vinicius, e Chico Buarque, e Tom Jobim, Baden Powel, a minhota Carmem Miranda como símbolo de um Brasil tecnicolor, o primeiro livro de “crescidos” que me deixaram ler foi “Clarissa” de Erico Veríssimo, um dos livros do “coração”, que quase sei de cor é “Jubiabá”, não tenho, sempre que tive emprestei depois de explicar a minha paixão por António Balduino e a sua Lanterna dos Afogados, nunca devolvem, fica a esperança que seja por gostarem.
Esta crónica vai longa, mas foi com este estado de coisas que Lula começou a mexer: alfabetização, fim das concessões de exploração das diversas riquezas naturais, acesso universitário, conversão de favelas, assistência médica universal, colocando o Brasil no mapa das nações poderosas por direito próprio.
Fez tudo? Não! Tudo perfeito? De certeza que não!
Mas é uma grande chatice um homem com quarta classe, com um dedo a menos perdido quando era criança a trabalhar, viúvo do primeiro casamento porque a mulher grávida não teve assistência, ter começado a acabar com os privilégios de alguns, um crime a certos olhos!


https://www.youtube.com/watch?v=RdiInoOh1ZY

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