Doem coisas, coisas diversas mas levanto-me, levanto-me sempre


Doem-me coisas! Coisas diversas, ossos, algumas vísceras, recordações mal guardadas que teimam continuamente em espreitar, projectos em vias de resolução, preocupações comezinhas, diárias, como pedrinhas dentro de um sapato apertado.
Mas levanto-me, levanto-me depois de mais uma noite mal dormida, sacudo os farrapos de sono, faço o circuito normal, lavagens matinais, desodorizante, perfume, roupa (por vezes quando estou com a cabeça muito ocupada baralho tudo como no outro dia em que tentei desesperadamente tirar as lentes de contacto que ainda não tinha colocado), torradeira, sumo, ligar a máquina de café, ouvir as primeiras noticias do dia entre resmungos, monólogos e comentários meus de mim para mim (hoje era a bola, só a bola e nada mais que a bola), sair de casa, pegar no carro passar em pontos de referência (continuar a ouvir falar da bola no rádio), estacionar e só nesse momento ligar o telemóvel, auto disciplina, só começo a ligar-me assim depois de estar vestida (quantas vezes corri pela casa meio vestida agarrada ao telemóvel), começar ontem outras coisas: um balanço breve, coordenar palcos, tendas, transportes e aparelhagens para que todos os meninos tenham a sua Festa de fim de ano, tentar encaixar outras coisas, atender uma chamada no fixo com o telemóvel a fazer uma birra pedindo atenção, largar o fixo, dar atenção ao telemóvel (por detrás o barulho insistente de mais uma chama e mais outra e mais outra), não conseguir de todo terminar um balanço começado quarenta minutos antes, parar tudo (agora não me passem chamadas por favor, desculpa mas liga-me daqui por meia hora), não sei onde ia… sim! Recomeço no ponto onde parei, recolho mais uns testemunhos (uma casa sem água, uma família disfuncional, a criança retirada por negligência, o rol, infelizmente do costume em histórias que vou presenciando ciclicamente como um pesadelo recorrente), Sr. António faça-me uma tosta mista se faz favor, uma pausa, só um bocadinho, pensar como vou pegar nisto, o cartaz, o anúncio, os papeis amarrotados, com coisas escritas na diagonal, aos cantos, com canetas de cores diferentes, coisas riscadas, as duas baterias do telemóvel descarregadas, não sei onde larguei a caneta, tenho de pensar o que vou fazer para o jantar, tinha de falar com alguém mas de momento não sei com quem e sobre o quê, não faz mal, metade do dia está feito….Doem coisas, coisas diversas mas levanto-me, levanto-me sempre.

Comentários

Fernando Samuel disse…
E é nesse levantares-te sempre que está o «segredo»...

Um beijo.
Anónimo disse…
Não é por acaso que gosto de ti.

Lena
Zorze disse…
És um miminho, não sei se sabes!

Beijos,
Zorze