Sétimo



Parece que o sétimo dia é de descanso porque o senhor assim o ordenou, parece que o fez depois das outras coisas, das trevas e da luz, de todas as criaturas desde a pulga ao elefante, o esboço de si próprio que foi o homem, da derivação mais aprumada que foi a mulher, parece que o sétimo dia é domingo, embora como provou Einstein tudo é relativo a começar pelo tempo, os dias da semana também são uma marcação de tempo e de segunda a sexta dizemos que são úteis, talvez o sábado e o domingo sejam inúteis!
Sendo assim decretados os dias úteis e inúteis, sinto-me uma vez mais transgressora e desafiadora porque achei útil o dia de ontem, sábado, a passear entre pedras e medir caminhos que há muito não fazia, a comprar filmes e músicas, a olhar as coisas outra vez de outra forma.
Hoje o dia, domingo, o sétimo, o de descanso, foi útil, depois de acordada decidi dar colo à minha mãe, ao dar colo à minha mãe dou a outros por arrasto, à tia Nini que assoma é janela e diz “olha a nossa menina!”, ao tio de oitenta anos que troca os nomes ás coisas e dá de comer aos gatos do quintal, ao tio quase pai que me dá o beijo carinhoso da familiaridade, ao primo quase irmão, chegado de fresco, a quem a distância e o tempo não quebram certas cumplicidades, foi útil, foi útil descascar cebolas e preparar tamboril, com fígado e tudo afogado em arroz enfeitado de coentros, foi útil preparar bifinhos como gostam para os meus grandes meninos, porque é outra forma de dar colo, foi útil descascar legumes para uma sopa, preparar a massa e recheio de rissóis, limpar o que ficou por limpar ontem, foi útil fazer uma pausa antes de acabar o almoço, na escada das traseiras e falar com uma amiga, porque são mimos que damos a nós próprios, foi útil estender a massa dos rissóis, recheá-los, passar por ovo e pão ralado, guardar para fritar mais logo, guardar a base da sopa já triturada para congelar, que os dias que se seguem serão todos úteis e cheios, terminar o resto da sopa, lavar a cozinha tirando os pedacitos de farinha e outras coisas, mudar a camisola enfarinhada e suada, estender a roupa e até acho que é útil, para mim pelo menos sentar-me agora aqui e deixar que dos meus dedos escorram estas palavras.
Falta fritar os rissóis e tomar banho.
Hoje ao sétimo dia, o do descanso, disse o tal senhor.

Comentários

Zorze disse…
Ana,

Quanto à gastronomia, desde a confecção até à sua provação, a energia de quem utiliza as mãos ligadas directamente à mente, são de uma importância fulcral.
Sei que de ti, os cozinhados são sempre excelentes, pela energia que empregas.

Quanto ao Senhor, ao Domingo, se é sétimo, terceiro ou quinto, não ligues muito a essas coisas, já há infelizmente milhões de pessoas que ritualizam essas coisas.

Relativamente às fotos, why Einstein?
Quanto à segunda foto, bem é melhor não me alongar. Tem muitos pormenores. A única coisa que confere com alguma razoabilidade é ir para a banheira de saltos altos.
A Zorrinha tem todo um ar de quem espera uma supresa. Será um Kinder bueno?

Beijos,
Zorze
Akhen disse…
Ana

Será que foi mesmo por essa ordem que as coisas aconteceram "e no começo era o verbo" ou será que a ordem dos factores é arbitrária, o que provocou uma confusão sem igual?
Talvez por isso o Einstein está a deitar a lingua de fora, como quem diz "Eu é que sei como é".
Essa coisa de nos deixar com água na boca com as incursões (necessárias) feitas no mundo da gastronomia, não está certo.
É que eu tinha acabado de chegar e tinha comido só um rissol, um arroz doce e um sumo de manga, dou com um banquete em que, chegando o nariz ao monitor do pc., dá para sentir o cheirinho dos coentros.
Deve ser um dos suplicios de Tântalo. Só pode.
Mas se não houvesse tudo isto para preencheres um dos teus tais dias inuteis, onde estaria o sal da vida?
Obgdo. já li o comentário. A rotina faz-nos lembrar os tais dias uteis de Lisboa, os outros, os tais dias inuteis, às vezes, deles só recordamos a boca a saber a papeis de música e a dor de cabeça ao levantar no dia seguinte.
Akhen disse…
O outro blog é

http://jim-viajantedotempo.blogspot.com
Diogo disse…
Quem corre por gosto não cansa (terá também dito o Senhor).

Beijo
Akhen disse…
Ana

Ela vive no Canadá, por iaso nunca a vi. A vida tem destas coisas. -:)
Fernando Samuel disse…
Da utilidade das coisas - votos incluídos... - cabe a cada um decidir, sem senhores a mandar...

Um beijo.
duarte disse…
pois util / inútil , o sétimo dia deus e a relatividade... eu cá prefiro confeccionar e apreciar devagar o quer que seja consumíveis...mas é sempre relativo...a banheira ou o conteudo? numa parto os dentes na outra nem por isso!
vou deixar-me de brincadeiras: tudo é útil, até mesmo nada.
abraço do vale
gostei do teu texto sobre a festa.e de todos, como sempre aliás.
Ana Camarra disse…
Zorze

Se leste tudo percebes o Albert, depois quais Zorra, a rapariga está de máscara porque mulher prevenida está pronta para o que der e vier.
A moça quer tomar banho, nem tirou os sapatos...

Akhen´

A minha intenção nunca foi fazer-te sofrer a pensar nas minhas alquimias gastronómicas.
Tal como o blogue servem para descarregar!
Essas rotinas nocturnas fazem falta, ajudam a crescer, mesmo com o sabor a papel de música!

Diogo

Achas que ele disse isso?!
Mas se eu não fizer a estupida da fada madrinha nunca vem cá!

Fernando Samuel

Toma e embrulha!
Subscrevo!

Duarte

Olha que também podes partir os dentes na moça....
Quase tudo é util, quase...

Beijos