A hora da visita

Os edifícios são desiguais, notam-se que cresceram em épocas diversas, no entanto os jardins estão cuidados.
Quando se passa no Pavilhão de Pediatria e logo de seguida no Parque Infantil, com brinquedos garridos entre árvores sentimos um aperto no peito, fingimos que não nos incomoda.
Lá dentro são quartos em corredores antigos, com um cheiro estranho a desinfectante e a medo, pintados de cores suaves que parecem incrivelmente desajustadas, pedaços de tinta descascada, interruptores diferentes, tubos junto ao tecto com diversos fins, remendados de diversas formas de folha de alumínio a tiras de adesivo.
Há cadeiras de rodas, macas, cadeiras de espera já gastas, mesas com rodas carregadas de desinfectantes, tubos, seringas, coisas impossíveis de identificar, uma enfermeira combina uma saída “Sim sigo o caminho do aeroporto, vou tentar sair 5 ou 10 minutos mais cedo.”
No corredor deambulam os da casa, semi residentes, que a pouco e pouco, se habituam aquela vida alternativa, medida pela visita do médico, o número de exames e tratamentos já efectuados, a luz da rua que entra e teima em alcançar até meio do chão, um pouco do verde das arvores lá fora, os aviões que ali já voam baixo, o ruído dos carros enquanto a vida passa lá fora.
Cruzam-se visitas e doentes, médicos, enfermeiros, auxiliares, pessoal da limpeza.
Todos com farda, a das visitas é anacrónica, a dos doentes varia, roupões de cores claras, chinelos com bonecos de cor garrida, lenços na cabeça, muitos, numa restia de garridice, outros não, exibem o crâneo calvo e caminham pelo corredor.
Tentamos gracejar, falar de banalidades.
É outra vida, medida ao segundo, à pulsação, aos tempos dos medicamentos, ás esperas.
Quando saímos acelero o passo.

Comentários

salvoconduto disse…
Ao mesmo tempo quer nos deparamos com essa falta de condições confrontamo-nos com a construção de CCBs, estádios de futebol ou TGVs, é Portugal no seu esplendor.

Abreijos.
Diogo disse…
«Quando se passa no Pavilhão de Pediatria e logo de seguida no Parque Infantil, com brinquedos garridos entre árvores sentimos um aperto no peito»


Há pior quer isso?
Zorze disse…
Ana,

Lá tiveste mais um dia de girambola.
És uma amparadora intrafísica nata, não é karma, é a tua essência de ser.

"Quando saímos acelero o passo.", sem dúvida, é a Ana.

Beijos,
Zorze
Ana Camarra disse…
Salvo-è assim este Portugal governado por só cretinos.

Diogo-Não há nada pior. Ali torna-se ainda mais dificil acreditar em Deus.

Zorze-Foi um dia do caraças! Terminou agora, meia noite e dez, longo e improdutivo, sabado bebemos um caneco?

Beijos
Fernando Samuel disse…
Excelente crónica - o pormenor da enfermeira a combinar o encontro é notável.

Um beijo.
Anónimo disse…
Excelente descrição se não fosse tão triste.
Como eu compreendo o teu acelerar do passo à saída...
Anónimo disse…
Excelente descrição se não fosse tão triste.
Como eu compreendo o teu acelerar do passo à saída...
duarte disse…
The show must go on...
sensível como sempre.
ABRAÇO GRANDE
LuNAS. disse…
'E outra vida...' - é outro mundo - anseios, desgostos, medos, esperanças... pediatria, neonatologias, UCI's - E os cheiros que nos ficam, para sempre, na garganta!
samuel disse…
Grande descrição! Excelente texto!
Toca-me particularmente. Ainda há bem pouco tempo vivi essa realidade de vida ou morte por um segundo... e não foi como médico, nem enfermeiro, nem visitante.

Abreijos.