Outra (outra vez)

Este texto é de Agosto, mas hoje sinto-me tal e qual assim....




Olho para a mulher à minha frente!

Rosto redondo, cor azeitonada, olhos grandes e escuros, nariz forte e arrebitado, boca bem desenhada.
O cabelo está molhado colado ao crâneo como o meu, adivinha-se que quando secar terá a sua personalidade, marcada pelos remoinhos que resistem a qualquer arremetida do cabeleireiro.
Olho disfarçadamente para ela e ela olha-me de lado com um olhar igual ao que eu fazia quando tinha oito anos e ao fim de uns minutos de estar no mar nadava direita ás bóias, da areia gritavam “Aquela miúda já está fora de pé!”, eu olhava de lado como a outra me olha agora…
Espalho creme no rosto até à base do pescoço, ela faz o mesmo, tem uma cicatriz grande que lhe faz um colar, aparentemente mais fina que a minha, a minha sinto-a como um vergão, por vezes, outras nem me lembro.

Olho outra vez e ela olha-me de frente desafiadora, reconheço-a, embora fosse jurar que não sinto aqueles cabelos brancos, como velhinhos em Parque Infantil, que lhe espreitam na tempera…
Sinto as olheiras, mas nela não parecem assim tão vincadas!
Olho-a e acho-a mais pesada que eu, juro que se parece comigo daqui por uns anos, não agora, ainda há pouco me senti tal qual como tinha vinte e poucos anos, ainda há pouco fiz festas na cabeça do meu filho e ele sorriu com o sorriso de bebé, parece que de repente encolheu, os pés tornaram-se de novo pequeninos, as mãos também, ficou outra vez com cheiro a bebé, em vez do cheiro acre do suor da adolescência, uma adolescência enorme, com pés 45 e roupas enormes…
Ao mesmo tempo olho-a e se calhar sou eu, embora tenha dias, também em que me sinta muito mais velha que ela!

Comentários

Anónimo disse…
A neve que cai lá fora impede-me de comentar Agosto em Janeiro. Mas é como tu dizes, isto tem dias. Olha, vou à janela vê-la cair, pena que derreta ao chegar ao solo.

Abreijos.
LuisPVLopes disse…
Nada é nosso!... Nem mesmo nós nos pertencemos, quantas vezes o corpo faz o que entende e não o que nós queremos?!... Demasiadas!

Mas teimamos em viver, uma ruga aqui e, outra ali, uma cara diferente, mais velha mas mais sábia, acompanha-nos no espelho e, daí talvez não!... Refiro-me à sabedoria!

Este tempo que por cá andamos, é imenso até ao fim dos vintes. mas depois começa a acelerar, parece uma ponta final, num abrir e fechar de olhos passou. Mas há que o ter feito valer a pena.
Valeu a pena cada momento, vale a pena cada momento, valerá a pena cada momento.

No fim, é só mais um problema, mas sem dúvida que é apenas o último e, no fim valerá a pena dizer:
VALEU A PENA SIM SENHOR!

Xôxos

Ouss
duarte disse…
eu nasci com rugas...cresci com olheiras, e tenho falta de cabelos...o meu pente de pouco serve.
Mas tenho em mim os dias passados,coisas que o espelho me vai dizendo e que por vezes não oiço...
são momentos. hà outros.
abraço do vale.
Zorze disse…
Ana,

Até aos vintes o tempo parece andar devagar, mas, depois dos trinta o tempo voa.
É a relatividade do tempo.
Por isso devemos viver cada dia de cada vez. Nada é trivial, apesar de à primeira vista o parecer.

Beijos,
Zorze
Diogo disse…
Ana, já alguma vez te disse que escreves muitíssimo bem?

Beijo.
Ana Camarra disse…
Salvoconduto-A neve será um acidente ou uma consequência do aquecimento global?!
Nós não derretemos antes de chegar ao chão, cristalizamo-nos em multiplas coisas até ficar só na essencia de sermos nós.´

Sensei-Terá de valer a pena, senão tudo é vão.

Duarte-São momento e há outros...

Zorze-Trivial?! Nunca!

Diogo-Estás sempre a faze-lo, tanto que quase me convences :)

beijos
Anónimo disse…
Aninha,cada idade tem as suas coisas boas e más.
Já passei algumas décadas, aos 20 era jovem e fresca mas não tinha liberdade nem estabilidade profissional, na dos 30 tinha um grande amor,liberdade mas não tinha a minha filha.Com os 40 veio a maturidade,realização profissional,problemas económicos e perseguições profissionais. Na década dos 50,percas e desgostos familiares, mas a inabalável confiança na mudança e na luta por uma sociedade mais justa não se perderam nunca.
Aproxima-se outra década, e espero manter esta minha confiança.
Escreves coisas tão lindas Aninha, nunca deixes de o fazer.
Pronto, quando estiveres cansada, podes parar um dia, só um dia, não mais que isso!
Beijos









Aproxima-se outra década,
Anónimo disse…
Acabo de chegar do mês de Agosto, no hemisfério sul e deparo-me com este post que até parece feito de encomenda!
Tenho que voltar para ler com tempo o que está para trás, mas por agora apenas quero desejar-lhe Feliz 2009. retomo amanhã as visitas diárias e vou ligar turbo no Rochedo e no Delito de Opinião a partir de segunda-feira.
Beijinhos
Ana Camarra disse…
Lagartinha-Sinto-me cansada sim, mas não de escrever, há outras coisas que me vão cansando mas não sou desanimos. Passa-me.

Carlos-Ai que inveja, eu daqui em diante começo a suspirar todos os dias com falta de sol!Depois vou lá ao Rochedo, é um bom sitio!

Beijos
Fernando Samuel disse…
Em Agosto era assim...
Hoje temos saudades do verão...


Um beijo.