Quinta dos Rapazinhos!






Já falei aqui das férias de infância, acabavam com duas ou três semanas na Quinta dos Rapazinhos.
A Quinta dos Rapazinhos ficava em Seiça, terreola do Concelho de Vila Nova de Ourém, perto de Tomar e Fátima.
A viagem era comprida e apinhava-mos no carro quatro adultos e três crianças.
A Quinta dos Rapazinhos era da Tia Maria, viúva de um professor primário, irmão da bisavó dos meus primos.
Portanto a Tia Maria, não me era nada em termos de parentesco, o que não isentava de tratamento de Tia e sobrinha.
A Tia Maria era uma mulher humilde, do campo, depois do marido morrer dormia num esconso, num divã e mantinha a casa imaculada e arrumada como ele a deixou.
A casa era antiga, com soalhos de tábua corrida que rangiam, nós dormíamos nas águas furtadas, os meus primos nas camas de ferro eu numa cama de abrir, levada de propósito, porque na primeira vez que lá fui descobriu-se que quando dormia nas camas de ferro, com colchões cheios de folhelho de milho, acordava num tom vermelho de alergia.
A casa era bonita, estava recheada de móveis pesados e soturnos, com torcidos e tremidos, acumulavam-se no escritório de móveis de pau santo e centenas de Revistas “Plateia”.

A Tia Maria tinha feito um casamento por amor, casamento que a família do marido não queria dada a sua condição de camponesa, pobre e analfabeta, contra a posição de professor Primário com algo de seu.
Acho que foram felizes, parece que a única tristeza foi não terem tido filhos.
Ele ensinou-a a Ler, ela referia-se sempre a ele como “O Sr. Professor”.
A Tia Maria recebia-nos com carinho, as nossas correrias animavam aquele casarão sem electricidade e transportávamos connosco uma televisão portátil, antena e bateria de automóvel para ligar a mesma.

A Tia Maria deliciava-se com aquela novidade, vendo emocionada Margot Fontein a dançar o Lago dos Cisnes, nós deliciávamo-nos com candeeiros a petróleo e histórias de fantasmas no sótão.

Deliciávamo-nos ainda com uma liberdade sem fronteiras, que nos permitia subir ás arvores para ver os ninhos, apanhar milho, nadar na ribeira, apanhar girinos para colocar na pia da água benta, ir à vacaria buscar leite morno ordenhado na altura, jogar matraquilhos no único estabelecimento da localidade que juntava um misto de taberna, mercearia e posto dos correios.
Também andávamos de bicicleta e de mota, porque no campo toda a gente de tem motorizadas.
Brincávamos com os miúdos do local e acompanhávamos as suas tarefas de campo, com a diferença que para eles era trabalho, para nós novidade.
De vez em quando deslocávamo-nos a Tomar e passávamos o dia na piscina, também a Vila Nova de Ourém, descobríamos o Castelo de Ourém, o Convento de Cristo em Tomar e dedicávamo-nos a inventar histórias de templários, principalmente à hora da sesta, em que não dormíamos e alternávamos Templários com jogos de cartas.
A Quinta dos Rapazinhos era o último reduto de Liberdade antes das aulas começarem, fomos lá sempre, até ao principio da adolescência, até que nos deixou de interessar, a tia Maria morreu, dos diversos herdeiros ninguém optou por conservar aquela casa senhorial e mágica.
Foi vendida por uma bagatela!
Nunca mais lá fui, nem quero, quero conservar a Tia Maria e a sua casa mágica assim para sempre.

Comentários

Anónimo disse…
Bonitas memórias as da infância...
Kiss
Ana Camarra disse…
Ludo

São as que guardamos, as boas, as outras é esquecer!

beijos
Abrenúncio disse…
Um retorno à infância e à adolescência. Creio que cada um de nós terá histórias idênticas vividas na província (eu tenho, e muitas!). São períodos inesquecíveis de felicidade inocente que perduram.
Saudações do Marreta.

P.S. (salvo seja): E a recauchutagem Seiça, não é aí dessa zona?
Anónimo disse…
E eu aqui com a consciência pesada a julgar que só eu é que fazia diabruras com a pia de água benta...

Lindas recordações as tuas.

Abreijo
Ana Camarra disse…
Marreta - Ainba bem que tens, eu sendo da margem sul, filha, neta e bisneta de barreirenses só tinha as terras dos outros para estas coisas.
Quanto á recauchetagem não faço a minima ideia, como digo no post, nunca mais lá fui.

salvoconduto - Eu era fresquinha que nem uma alface, asneiras, diabruras e afins era a coisa que o trio maravilha (eu mais dois primos, um da minha idade, outro com mais dois anos anos) inventavamos com facilidade, tropelias de Carnaval, fingir que as campainhas de prédios grandes eram o computador do Espaço 1999, entre outras, não sei como não matámos alguém ataque cardiaco!
Portanto está descansado, não és o unico.
(os meus meninos não fizeram nem um quinto daquilo que a mãmã inventava, 24h/24h)

Beijos
Diogo disse…
Cara Ana,

Publique a sua escrita. É quase hipnótica, de tão agradável. É impossível parar de ler.

Transporto para mim as suas recordações e adapto-as. Penso que todos os que aqui vêm sentem o mesmo.
Zé Ferradura disse…
Olá Ana,

Saudade, saudade da mocidade.

Bj
Zé Ferradura
Ana Camarra disse…
Diogo - Está quase a convencer-me, o Diogo e mais uns quantos...
Quanto mais não seja para os meus filhos perceberem que é esta mulher.

Zé Ferradura-Olá, saudades mas não da mocidade, caramba, não me sinto velha, ainda me chamam "menina", um luxo!

beijos
LuisPVLopes disse…
Compilas tudo e, já podes lançar o 1º volume de ISTO TEM DIAS.

Olha que ainda te vai render, para uma viagenzita, assim ao Varadero!... Quem sabe?

Ouss
Ana Camarra disse…
Sensei - começo a pensar nisso...com tanta insistência, nem que fosse só para ir ao Varadero.
(ai ai)

beijos
DML disse…
Hoje em dia pouca gente liga as casas no campo... Dao trabalho e nao estao para isso!

Nos felizmente temos duas casas na aldeia e todos os anos vou para la porque adoro aquilo e a liberdade e calma que tras!

Abraco
Ana Camarra disse…
dml

Sorte, sorte que tens.
É revigorante estar assim ao ritmo da natureza, adorava ter uma casa de campo, só tinha uma condição, não ser muito longe do mar...

beijo
Ana Camarra disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Rui Silva disse…
Estou aqui á um bocado a olhar para ontem,e como sempre não sei muito bem a que conclusão chegar.De qualquer modo o que tu escreves tem esse dom,de vez em quando vejo-me a olhar para as nuvens sem saber o que dizer.
Rui Silva disse…
No teu post,dezes que és filha e neta de Barreirenses.Tenho uma mala-pata com o Barreiro desgraçada,detesto essa zona e sem nenhuma razão aparente.Como filha da terra fico á espera que um dia me possas mostrar o porquê de eu estar enganado (se for esse o caso).
Anónimo disse…
Infância... infância, quantas recordações.
As minhas são todas de água, de mar e de sol
diabruras à parte, porque sempre me lembram castigos
igualmente bonitas!

beijos
ausenda
Anónimo disse…
Também tenho saudades de uma quinta ssim, dos meus tempos de infância. Hoje dói-me tudo, quando por lá passo, vejo a quinta semi abandonada e a casa transformada em restaurante.
Rei da Lã disse…
Tá-se bem. Tá-se bem...
samuel disse…
Conserva-a assim... enquanto estiver assim, não há nada nem ninguém que destrua esta beleza de memória.

Abreijo
AnA disse…
hello Ana, já todos falaram na importância das recordações de
infancia. São mto importantes.É de facto uma pena a Qta sair da familia. Essas casas, esses espaços deviam ficar para sempre no seio da familia q as fez "lares" q as fez "sítios" de boas recordações. Kiss
Anónimo disse…
Ana, desculpa lá chatear-te com isto,...mas porque não tens ido comentar ao espaço do Bovolta ?? passa-se alguma coisa ??
Abraço
Ana Camarra disse…
Conde

Espero que fiques a olhar para as nuvens por gostares.
Quanto ao Barreiro, Camarros são os naturais do Barreiro, daí o meu nick, porque sou Camarra.
Não daqueles que os pais vieram de outros sítios (pelos quais tenho a maior das considerações, aliás), mas sou das “famílias velhas do Barreiro”.
Adoro o Barreiro.
Sei que a maior parte das pessoas tem a imagem de um sítio feio, cinzento, sujo, cheio de fábricas.
Eu conheço mais do que isso, o Barreiro tem história, mais de 500 anos, temos escavações arqueológicas, monumentos (um Convento Franciscano, vários edifícios ligados aos Descobrimentos, uma Igreja Manuelina, um Portal Manuelino, um núcleo urbano Medieval, um núcleo urbano Pombalino), temos ainda a melhor vista de Lisboa do lado Sul, temos praias fluviais com moinhos de vento, temos uma reserva ecológica no Rio Coina (Sapal), uma mata nacional, nidificação de garças e flamingos.
Temos uma grande ligação ao Rio e á vela, enquanto desporto.
Temos Colectividades centenárias em funcionamento.
Acho que adoravas fazer o que faço todos os anos: um passeio de embarcação tradicional, o Pestarola, um varino propriedade da Câmara Municipal, á vela, claro, donde se vê o Barreiro com outros olhos.
A maior parte dos Barreirenses não tem essa perspectiva!
Portanto, quando quiseres é questão de acertarmos agulhas e estou disposta a fazer-te a Magical Mistery Tour Barreirense, com muito gosto!
Já o fiz várias vezes até para um grupo do Centro Cultural de Belém que ficou “apaixonado” pelo Barreiro.

Beijocas
Ana Camarra disse…
Ausenda-Também tenho muitas de mar e sol, mas estas são mais rurais.

Carlos – Por isso nem quero lá ir.

Rei da Lã-Tá-se sim senhor.

Samuel-Guardo-a com muita ternura, um pouco de pena porque os meus meninos nunca irão ter esta experiência.

Ana – Bem aparecida, pois é pena o que é que se vai fazer?!

Beijos
Anónimo disse…
Ler o que escreves faz-me bem,parece que escreves a olhar para mim transformando-te assim como por feitiço do clik, na "minha velha amiga de infância"
Num faz de conta em que quase podia dizer:
lembras-te Ana, quando jogávamos ao ringue no recreio da escola? lembras-te quando pintamos os olhos com uma sombra muito azul?
Lembras-te dos fimes no Cine-clube?dos Jogos Jovenis e do Valegas?
Ai Ana, parece que foi ontem que alvoraçadas e com o coração aos saltos, participamos num São Martinho, muito especial, onde ouvimos falar de Liberdade.

Um abraço Lagartinha de Alhos Vedros
Ana Camarra disse…
mugabe - Não se passa nada, já lá fui, sim senhor, mas ando numa roda viva, sabes que isto dos blogues também é um habito, na medida que nos comentam nós temos tendencia a comentar, ele esteve tanto tempo parado que julguei que tinha desistido, mas já lá fui.
Os amigos nunca chateiam.

beijos
Ana Camarra disse…
Lagartinha

Lembro-me de muita coisa como tu, lembro-me muito bem do Augusto Valegas amigo de familia e de cuja familia sou amiga.
Lembro-me do dia 25 de Abril do alto dos meus 7 anos de idade.
Somos vizinhas, Alhos Vedros é já aqui ao lado, se calhar temos uma idade próxima, crescemos no mesmo ambiente é normal estes pontos comuns.

beijos
Anónimo disse…
Estás por aí, estou em boa companhia.
Sou mais velha, as minhas lembranças são mais antigas, quando se deu o 25 de Abril já trabalhava, era jovem,mas já tinha sentido o que era o fascismo, não na cadeia, mas pela falta de liberdade e pelo que podia custar a ousadia de ir ao Congresso de Oposição Democrática, em Aveiro, por exemplo.
Claro que conheço a família do Valegas e outras famílias do Barreiro, repara o Barreiro será sempre uma grande referência de lutas operárias e claro de lutas do Partido Comunista Português.
Por isso tanto temos em comum
Um abraço da Lagartinha de Alhos Vedros
Ana Camarra disse…
Lagartinha

Ainda estou por aqui!
Dizer-te que um dos comentadores ocasionais é neto do Valegas.
Quanto ao Cine Clube o meu pai foi fundador, eu já fiz parte dos corpos gerentes e sou sócia.
O mundo é pequeno, amiga Lagartinha.
O meu pai e o meu tio também estiveram no Congreddo de Aveiro, aliás tenho fotos unicas das cargas policiais.

Beijos
Ana Camarra disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse…
Viva o Avó Valegas!!
Viva os Jogos Juvenis do Barreiro!!
Viva a revista "Um olhar sobre o Barreiro"!!

e viva o bolo de Mel da Avó Ilda
:)

(hoje não assino para continuar clandestino)
Zorze disse…
Ana,

É bom quando se é criança e tem-se recordações felizes. Também eu quando criança ia para a província nas férias de verão. Adorava.

Quanto ao livro? Como é que é? Não me venhas com desculpas e modéstias de treta. Vá comece lá a preparar o livro.

Beijos,
Zorze
Fernando Samuel disse…
Bonito: a ternura (e também a tristeza) de relembrar a infância...


Um beijo amigo.
Ana Camarra disse…
Meu anónimo que eu sei quem és.

Viva a Avò Ilda e avô Augusto, pois está claro!
viva um olhar sobre o Barreiro, daqueles que eu tenho e tu também cheio de carinho, apesar de por vezes ficarmos zangados com ele.

Beijinhos
Ana Camarra disse…
Zorze - O livro não sei, tem me dar o tal click!

Fernando Samuel - Mas a vida é isso mesmo uma mistura de alegria, tristezas, recordações e esperanças de futuro.

Beijos
Anónimo disse…
O teu blogue é uma rodinha de amigos, de mãos dadas vão mães, filhos, netos, amigos, vai também a amizade e este amor fraternal, leal e sempre presente pelo nosso Partido.
Pois deve ser o Pedrocas o mais guloso pelo bolo da avó Ilda, beijos para ele.
Para terminar o serão, aqui fica para a roda inteira, uns versos de Gedeão

Eu,quando choro,
não choro eu.
Choro aquilo que nos homens
em todo tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu

Um chazinho e uma fatia de bolo de chocolate da avó Ilda

Abraços da Lagartinha de Alhos Vedros
Ana Camarra disse…
Lagartinha

Vai na volta conhecemo-nos quanto mais não seja temos um mundo em comum.
Eu dou o beijo ao Pedro.
E á Ilda, já agora á Amália.

Já agora um beijo para ti também
Anónimo disse…
epá estou tramado!

não sei quem é a lagartinha de alhos vedros....no idea!

o bolo de mel é conhecido, dos tempos do lançamento da revista; mas o bolo de chocolate é mais recente, é mais jornadas de trabalho em junho, julho e agosto.

beijos aceites por mim e pelas minhas mulheres. beijos retribuidos.