Carta do Chefe Seattle (1787-1866) ao Presidente dos EUA

O grande chefe de Washington mandou dizer que desejava comprar a nossa terra, o grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa de nossa amizade.
Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O grande chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano.


Minha palavra é como as estrelas - elas não empalidecem.
Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é estranha. Se não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo, cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada véu de neblina na floresta escura, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do homem vermelho.
O homem branco esquece a sua terra natal, quando - depois de morto - vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sumos da campina, o calor que emana do corpo de um mustang, e o homem - todos pertencem à mesma família.

Portanto, quando o grande chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele exige muito de nós. O grande chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, vamos considerar a tua oferta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil, porque esta terra é para nós sagrada.
Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas sim o sangue de nossos ancestrais. Se te vendermos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar d'água é a voz do pai de meu pai. Os rios são nossos irmãos, eles apagam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar e ensinar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás de dispensar aos rios a afabilidade que darias a um irmão.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de a conquistar, ele vai embora, deixa para trás os túmulos de seus antepassados, e nem se importa. Arrebata a terra das mãos de seus filhos e não se importa. Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mãe - a terra - e seu irmão - o céu - como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou missanga cintilante. Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto.


Não sei. Nossos modos diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos olhos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende.
Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das asas de um insecto. Mas talvez assim seja por ser eu um selvagem que nada compreende; o barulho parece apenas insultar os ouvidos. E que vida é aquela se um homem não pode ouvir a voz solitária do curiango ou, de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo? Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento a sobrevoar a superfície de uma lagoa e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva do meio-dia, ou recendendo a pinheiro.
O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum - os animais, as árvores, o homem.


O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida, também recebe o seu último suspiro. E se te vendermos nossa terra, deverás mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, adoçado com a fragrância das flores campestres.
Assim pois, vamos considerar tua oferta para comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, farei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.
Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outra forma. Tenho visto milhares de bisontes apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do comboio em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do que o bisonte que (nós - os índios ) matamos apenas para o sustento de nossa vida.
O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais, logo acontece ao homem. Tudo está relacionado entre si.
Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de seus pés são as cinzas de nossos antepassados; para que tenham respeito ao país, conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas da parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra - fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios.
De uma coisa sabemos. A terra não pertence, ao homem: é o homem que pertence à terra, disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará.

Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, envenenando seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias - eles não são muitos. Mais algumas horas, mesmos uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que têm vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
Nem o homem branco, cujo Deus com ele passeia e conversa como amigo para amigo, pode ser isento do destino comum. Poderíamos ser irmãos, apesar de tudo. Vamos ver, de uma coisa sabemos que o homem branco venha, talvez, um dia descobrir: nosso Deus é o mesmo Deus. Talvez julgues, agora, que o podes possuir do mesmo jeito como desejas possuir nossa terra; mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira e é igual sua piedade para com o homem vermelho e o homem branco. Esta terra é querida por ele, e causar dano à terra é cumular de desprezo o seu criador. Os brancos também vão acabar; talvez mais cedo do que todas as outras raças. Continuas poluindo a tua cama e hás de morrer uma noite, sufocado em teus próprios desejos.
Porém, ao perecerem, vocês brilharão com fulgor, abrasados, pela força de Deus que os trouxe a este país e, por algum desígnio especial, lhes deu o domínio sobre esta terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é para nós um mistério, pois não podemos imaginar como será, quando todos os bisontes forem massacrados, os cavalos bravios domados, as brenhas das florestas carregadas de odor de muita gente e a vista das velhas colinas empanada por fios que falam. Onde ficará o emaranhado da mata? Terá acabado. Onde estará a águia? Irá acabar. Restará dar adeus à andorinha e à caça; será o fim da vida e o começo da luta para sobreviver.

Compreenderíamos, talvez, se conhecêssemos com que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais as visões do futuro que oferece às suas mentes para que possam formar desejos para o dia de amanhã. Somos, porém, selvagens. Os sonhos do homem branco são para nós ocultos, e por serem ocultos, temos de escolher nosso próprio caminho. Se consentirmos, será para garantir as reservas que nos prometestes. Lá, talvez, possamos viver os nossos últimos dias conforme desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará vivendo nestas floresta e praias, porque nós a amamos como ama um recém-nascido o bater do coração de sua mãe.


Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Proteja-a como nós a protegíamos. "Nunca esqueças de como era esta terra quando dela tomaste posse": E com toda a tua força o teu poder e todo o teu coração - conserva-a para teus filhos e ama-a como Deus nos ama a todos. De uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus, esta terra é por ele amada. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.

Comentários

Anónimo disse…
Uma verdadeira lição de vida. Pena que 'aquele' homem branco nada fez do que pediram. A terra é vermelha como o homem...
Para reflectir profundamente.
Kiss
Ana Camarra disse…
Ludo Rex

O pior é que tinha razão em todas as previsões.
A ecologia tinha-na eles.
~
beijocas
LuisPVLopes disse…
Pois conheço estas palavras de Seattle, assim como de outros índios de outras paragens, lembras-te de Papalagui?
Era impressionante a relação espiritual que estes povos tinham com o meio envolvente em todos os níveis, valentes guerreiros, verdadeiros comunitários, tudo o que faziam era para o bem da sua comunidade, atrever-me-ei a chamar-lhes verdadeiros comunistas, adapta-se bem a designação de peles vermelhas, como se nesse tempo se conhecesse o conceito que só muito mais tarde haveria de surgir com Karl Marx e Lenine.
Fico sempre emocionado perante este conhecimento tão profundo da vida, que tão banalizado e mal interpretado foi, por aqueles que ainda hoje de alguma forma nos reprimem e subjugam, mas que no fundo são o principio do fim de algo tão belo, tal como vírus apenas destroem o seu próprio hospedeiro do qual subsistem e sem o qual perecerão tal como ele.

Aiiiéee!


Ouss
Anónimo disse…
Já conhecia mas nunca é demais relê-la para nos relembrar que o "homem branco" só tem dado e cabo deste paraíso que é a terra.

Abreijo
Zorze disse…
Um verdadeiro hino. O homem branco invadiu-lhes a terra e depois tirou-a. E acabou por fazer tudo ao contrário, sugando os seus recursos, pois, vive contra a natureza. Na Amazónia ainda existem alguns puros, mas cada vez menos.
Este chefe índio, pode-se, dizer que até foi profético. O homem ao fazer mal à Natureza faz mal a si próprio.

Beijos,
Zorze
Ana Camarra disse…
Sensei - O imperialismo e o impor da nossa vontade aos outros não é infelizmente nenhuma novidade.

salvoconduto - Teremos que ser nós, homens e mulheres "brancos", a dar a volta a este circulo vicioso, para que talvez um dia se viva em harmonia com aquilo que nos resta.

zorze - O homem branco não lhes tirou a terra, somos nós que pertencemos á terra como qualquer outra criatura, não a terra que nos pertence a nós. Para ti deixo este pensamento-Tudo o que pensamos que temos no decurso desta vida é somente um empréstimo...

beijos
Anónimo disse…
Ana

obrigado por este pedaço de sensatez, maravilhoso!
Horrivel a arrogancia dos homens, isto é um discurso ecologista, o discurso de quem melhor entende a terra e as suas criaturas e se assume a si mesmo como parte dela.
Pena não o terem ouvido.

beijos

Augusto
Anónimo disse…
Ana

Voltei!
Deliciei-me a ler estes pedaços de ti, como alguem escreveu e bem, que deixaste aqui, lindos só como tu!
As férias foram boas, as miudas gostaram, mas tinhas razão começo a não gostar de ver as minhas meninas a trocar olhares gulosos com os meninos.
Tive só pena de não ir ao Barreiro e de não estar contigo, mais do que qualquer outro amigo senti a urgência de te ver ouvir a tua voz e ver esses olhos que por vezes falam mais ainda.
Não te aborreças comigo.
Mas temos de nos encontrar quando possivél.

um beijo amigo

Zé Manuel
Anónimo disse…
Miuda

Isto vai ser comprido.
Já resolvi os problemas informáticos, grande salganhada!
Depois andei a ler tudo com muita atenção é bom perceber que estás cada vez mais igual a tia própria, rica menina.
Depois informar-te que estive na Festa do Avante e andei como um cão á tua procura, mas tá quieto, cadê a gaja….
Não querias confraternizar com o niño…mas pelo que percebi foi só má vida, mulher desgraçada.
Ainda não conheço esse amigo JJay mas tem carradas de razão os amigos quando gostam de ti gostam mesmo muito, muitíssimo, impossível ser de outra forma, uma portento de pessoa como tu!
Haviam estar os astros e as estrelas conjugadas na Àrrabida de uma forma especial quando te fabricaram…
Vês também sei ser poeta!
È o amor que me faz assim, está tudo a correr bem.
Por fim dizer-te que tinhas aqui coisas que ouvia a tua voz a dize-las, os caminhos que escolhes são difíceis, mas sempre mais divertidos.
Ainda em relação a outras coisas que falas e escreves, para mim que te conheço desde o dia em nasceste é o mesmo, deixa dizerte uma coisa, sempre foste bonita, quando tinhas o cabelo curto e os joelhos com mercúrio, quando começaste a ficar bonita e os gabirus a deitarem-te olhares compridos, quando estavas grávida e parece que tinhas uma luz dentro de ti, quando ficaste mais gordinha, és uma cota bonita porque qualquer pessoa com dois dedos de testa ao fim de cinco minutos de falar contigo vê que és uma fogueira daquelas que ardem com carvão em brasa e chamas altas.
E nunca vais ser velha.
E é verdade quando estou contigo vejo uma miúda de calções cabelo curto, muito torradinha e cheia de arranhões, que fazia tudo como nós, terrivél e com grandes noias.
È assim amiga que gosto de ti, com a tua boa disposição, as tuas saídas inesperadas, as tuas bocas foleiras, o teu ar grave de quando fazes coisas sérias, o ar de quem está sempre a aprender e com isso sempre a ensinar.
Faz-me um favor, não mudes nunca.
Agora venho cá todos os dias outra vez.

Beijaças, abraços muitos

Paulo el niño
Ana Camarra disse…
Augusto – A arrogância dos homens é assim…trucida tudo e não entende que ao destruir o planeta, ao destruir o seu semelhante destrói-se a si mesmo.

beijoca
Ana Camarra disse…
Paulinho meu menino

Aposto que não escrevias tanto desde o exame do 9º Ano.
Quanto ao que dizes:

Ainda bem que está resolvida a cena do computador.

Eu já não mudo, amigo, quando mudar não sou eu.

Podias ter telefonado ou mandar uma mensagem e bebíamos um copo tinha muito gosto.
Andei na má vida sim senhor, também trabalhei e falei de coisas sérias, há espaço para tudo.
O JJay é um amigo especial.
Estás com uma veia muito poética, nem pareces tu.
Ainda bem que esse amor está a dar certo, já vai sendo tempo.
Tantos elogios deixam-me babada!
Mas também te vejo sempre da mesma maneira, comprido, com umas grande penca e esse ar de lunático.
Essa de eu ser uma fogueira….estás mesmo inspiradíssimo.
Eu também gosto de ti assim como és…just the way you are!
Vem sempre, vem beber um café.

Muitas beijocas também
Ana Camarra disse…
Zé Manuel

As férias têm este problema: acabam!
Pois as meninas são terríveis ou te mentalizas ou estás feito.
Havemos de nos encontrar, porquê é que havia de me zangar contigo?
È só engraçado pensar que eras um betinho, daqueles grupos paralelos, não éramos tão amigos assim, cruzávamo-nos e agora a distância aproxima, curioso.

Um beijo de amiga
samuel disse…
Os índios e a sua eterna mania de dizer coisas incompreensíveis para o "homem branco". Estes "Papalaguis" sabiam alguma coisa que nós ao que parece, não sabemos...

Abreijos
Ana Camarra disse…
Samuel

Eles sabiam muito e nós apredemos pouco.

beijo
O homem branco trouxe o progresso, as máquinas, as fábricas, o asfalto, a fumaça, os produtos químicos, o capitalismo, a ganância, a exploração, as armas de fogo, a bomba atômica...Mas o homem civilizado trouxe também a poesia, a filosofia, antropologia e enfim o conhecimento que muita coisa fizemos errada e que temos muito que aprender com aqueles que consideramos selvagens. Atenção ao que disse o Chefe SEATLE e cuidemos da natureza antes que seja muito tarde...