As coisas giram ao seu ritmo

Sabes, as coisas giram ao seu ritmo, e o seu ritmo é o que te de ser, o mundo dá as suas voltas, as sementes germinam, crescem plantas, florescem, dão fruto e são semente, no percurso alimentam, pássaros, insectos outros bichos, fazem daqueles trabalhos que ninguém vê mas é fundamental, equilibram o movimento como um pendulo.
Como um pendulo as marés sobem e descem, como a lua nos aparece inteira, escondida, por fases, esse movimento é um pendulo, faz girar outras coisas, coisas submersas e aquáticas, coisas que voam, que se enterram na areia que navegam em correntes, nesse pendulo há ventos, fracos ou fortes, quentes, frios, brisas apenas, há ondas, aquelas que murmuram e as que se assemelham a trovões de água, e água faz o mesmo, cai das nuvens, é bebida por plantas e bichos, escorre pelos troncos e pedras, faz nascente como um segundo parto, um regato, um ribeiro, um rio, uma foz até ao mar para subir de novo.
Tudo tem assim o seu ritmo, mais ou menos visível, considerado normal, apressado ou muito lento, mas tem, nós também.
Temos o ritmo de crescer num ventre, de brotar indefesos, de descobrir o mundo, a sombra de uma árvore, as asas de um pássaro, a forma de uma nuvem, de ouvir esse pulsar, da respiração, do bater do coração e esses também mudam, calmos e certos, irregulares e profundos, rápidos e ofegantes, e assim nos movemos.
Assim nos movemos e conhecemos ao nosso redor, seguimos ritmos que não escolhemos, deixamos ritmos que desejámos, encontramos ritmos que nem sequer estávamos à espera, trazemos connosco a memória do movimento anterior, mesmo que nem sequer nos recordemos.
È, mesmo que não nos recordemos a maré cheia tem a memória da vazia, a semente a memória do fruto, a gota a memória do mar, a lua a memória do sol que a faz brilhar, temos em nós a memória dos afectos, dos sorrisos, de outras coisas, dos caminhos que por acaso, há quem ache que nunca é por acaso nos levam a nós mesmos.
Se é a memória que nos leva a nós mesmos, é como uma gota que cai depois da outra, não são a mesma, apenas se sucedem, fazem parte do todo, não é possível cair a mesma gota, igual, outra vez, cairá de outra forma, onde foi campo há pedra, onde foi trabalho pode existir preservação, podem ventos enfunar velas outras vez com outro propósito, mas nem sequer para girar só para andar à volta.
Nas voltas deste ritmo, construímo-nos e vemos ali mais adiante, sementes que fomos, esperando ser semente de algo, sempre melhor.
Sempre melhor este ritmo, ao seu ritmo, ao meu ritmo, o meu passo gira, segue por vezes caminhos inesperados, noutras acaba por os construir, num ritmo que é maré, vento, crescimento, aprender, amar, sim todas as coisas tem o seu ritmo.
Sim e que o meu ritmo seja este, de amar, as pequenas grandes coisas.

(foto de Carlos Matos)


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