A Primeira Verdade

Eu por mim gosto disso, dias brilhantes e noites longas, a chegada da Primavera costuma trazer andorinhas, alvoroço entre os adolescentes, alergias ao pólen, cabritos e borregos, papoilas entre os campos verdes e outras coisas constantes nas redacções da primária “Descreve por palavras tuas a Primavera!” é claro que existia sempre um que tinha uma prima Vera, e a redacção era um chorrilho de trocadilhos em redor do assunto, existia ainda quem, com letra bem desenhada, conseguisse encher uma página com as banalidades das andorinhas a fazer ninho.
Faço aqui então a minha redacção da Primavera.

“Eu gosto da Primavera, mesmo quando a sinusite me incomoda, prefiro espirrar com o pólen do que me vestir em camadas como as cebolas. “Prima Vera” quer dizer “Primeira Verdade”, e as primeiras verdades são assim claras, impetuosas, simples e fortes, tem o doce e acidez, a relva verde com a humidade matinal, das primeiras verdades surgem forças por vezes imparáveis, a vontade de romper com tudo quanto é velho, serôdio, guardado, apetece despir malhas e preconceitos, encarar as pessoas nos olhos e perguntar se é isto mesmo que querem, uma espécie de Primavera pobre e eterna, com cheiros artificiais de alfazema num Centro Comercial decorado com flores de plástico, acções de guerra humanitária em nome da paz e da justiça, se bem que esta paz e a justiça cheirem a petróleo, apesar de as noticias me servirem novidades requentadas e discursos inflamados sem nada de novo, gosto do rumor a nascer de quem quer uma vida a sério, sem manequins a fazer de pessoas e escadas automáticas que nos levam a sítios iguais onde já estivemos antes, porque a recessão, a crise dos mercados, as medidas de austeridade são sítios onde já estivemos e acabaram em cartazes de paisagens onde nunca fomos, com mares onde nunca navegamos e promessas que nunca nos foram cumpridas.
Por isso gosto da primeira verdade, do primeiro sorriso, do primeiro grito, do primeiro olhar, do primeiro sabor do mar a infiltrar-se comum cheiro a sal, numa música rouca, na força das marés, das primeiras ervas tenras que ainda assim furam a terra gelada, do nascer do sol, sempre uma alvorada nova, a primeira verdade.”

Comentários

Fernando Samuel disse…
E viva a primeira verdade!

Um beijo.
Anónimo disse…
É uma vergonha...
Em Évora existe um call-center que explora os jovens alentejanos, com contratos precários... há muitos anos... usando-se o sistema de rescindir com uma empresa e fazer contrato com outra.
Trabalhamos com todos os sistemas informáticos do grupo caixa seguros, Império Bonança, Fidelidade Mundial e Multicare, mas não temos o direito a receber um preço mais justo pelo nosso trabalho, tal como os funcionários das Companhias?
Quando contactamos os clientes das Companhias é como se fossemos funcionários destas Companhias, mas para recebermos ordenado já não nos identificamos como tal.
Limitamo-nos a receber entre € 400,00 a € 500,00 e somos tratados como máquinas, pior ainda… pois quando os computadores não funcionam, não existe remédio… quando estamos a precisar de ir à casa de banho, já temos tempos estipulados e a correr depressa.
O Call-center já funciona há muitos anos, muitas empresas passaram muitos “escravos” ficaram…
Agora que mudaram a gestão do Call Center, para uma empresa de escravatura dos tempos modernos, denominada Redware, do grupo Reditus, decidiram inaugurar… vejam lá… inaugurar o Call Center, que devia-se chamar Senzala.
Este grande acontecimento vai acontecer amanhã, dia 25 de Março, e vai ter direito à visita do Secretário de estado para a inovação Carlos Zorrinho, do Presidente da Câmara de Évora José Ernesto Ildefonso Leão de Oliveira, do Presidente da Caixa Geral de Depósitos Fernando Faria de Oliveira, do Presidente das Companhias de Seguros do Grupo Caixa Seguros Jorge Magalhães Correia e as suas comitivas.
E pergunto-me vão inaugurar o quê, mais uma fase da exploração de pessoas, que têm que se sujeitar às condições destes empregos porque não existe mais nada?
Mas não somos pessoas?
Não devíamos ter direito a usufruir de condições mais justas pelo nosso trabalho, para termos direito a viver?
Até quando é que o nosso Pai, a nossa Mãe, o nosso Tio, a nossa Tia,… poderão ajudar-nos?
Mas depois é ver a publicidade destas empresas, em que parecem todos bons rapazes e muito solidários, eis um exemplo http://www.gentecomideias.com.pt/gentecomideias/Pages/MensagemdoPresidente.aspx
Sr. Presidente da Câmara, tenha vergonha em pactuar com esta forma de escravatura… ponha a mão na sua consciência, isto se ainda a tiver…
Mar Arável disse…
Todas as verdades são relativas

excepto aquelas em que acreditamos
André Miguel disse…
Já tinha saudades de ler.
Fizeste-me regressar aos campos alentejanos na primavera... Que saudades!
Catalina disse…
maneira muito agradável de escrever o seu http://www.sexshop-romantic.ro
LuisPVLopes disse…
Sexta-feira dia 15 de Abril de 2011, havia lugar para estacionar, estava calor, ainda que menos que o que esteve nos dias anteriores, mas o cheiro daquela serra nem nos deixava fechar os vidros do carro, o azul do céu era puro, o mar ia variando entre tons mais ou menos entre o azul e o esverdeado, quase que se igualavam a tons tropicais, dos tais lugares que vimos em imagens sem cheiros nem sons, os tais lugares onde nunca fomos, não fora ser a foz do Sado, ali banhando a base da Arrábida, entre chilreados da passarada que atarefada se delicia com os imensos insectos que o calor fez eclodir conjuntamente com azedas, papoilas e estevas, manchando ao longe a paisagem da serra de amarelo e branco, salpicado de vermelho, num fundo verde de várias tonalidades.
Senti o impacto da areia solta nos meus pés, o seu cocegar à medida que me impulsionava nesta, com a pituitária já cheia do cheiro salgado do mar, conjuntamente com aquele "marulhar" cadenciado, como que um desafio que me fazia desejar aceitar de bom grado.
Instala-mo-nos, despi-mo-nos, colocamos o protector, avançamos sem medo, tocámos a areia molhada, o mar tocou-nos nos pés, avançámos, a temperatura sentiu-se descer, os corpos foram adaptando-se, até que o mar nos envolveu completamente e "voamos" naquele azul translucido, onde as taínhas nos acompanhavam curiosas, depois de tantos meses sem terem tido contacto com estes estranhos e desajeitados seres que lhe invadiam agora o seu meio. A gravidade tornou-se relativa e os nossos corpos nem tocavam o solo, envoltos que estavam na densa água salgada, eram livres, sem PEC's nem FMI's, os corpos, os nossos, eram baptizados numa comunhão simples entre o ser humano e a sua mãe natureza.
Desta forma demos oficialmente inicio à nossa época balnear, num lugar que é uma catedral por excelência da época neste distrito de Setúbal, digna de um qualquer desses sítios que vemos, mas nunca sentimos.
Talvez um dia!... Talvez um dia!

Beijo

Ouss
Master Senseu San
Walderes Brito disse…
Ana, chego, casualmente, ao teu blog e tua "prima vera", como uma grata surpresa pascal, desde as terras a sul do Equador, onde outonos e primaveras são convenções anunciadas em noticiários e pouco perceptível aos nossos sentidos. Ainda assim, tua redação me dá saudade de uma primavera (que não conheço) plena de pólem, andorinhas e verdades tenras, rompendo solos duros de frio. Obrigado! Dias desses, venha me visitar (www.milcaracter.blogspot.com)