O azul reflectido


As coisas engalfinham-se, as reuniões onde se discute a dificuldade emergente e a prioridade urgente, o micro ondas que parece que morreu de vez, sinto um cansaço de fim de dia cinzento de chuva miudinha, onde coisas correram normalmente, outras bem e outras ficaram num pantanoso impasse, lá atrás o meu filho dedilha a guitarra, olho para uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma ou talvez nem por isso, talvez por si só não seja nada, não sou uma personalidade, nem a bailarina que sonhava aos cinco anos, nem a cantora com que sonhava aos doze, nem a cientista que iria descobrir todas as curas de todos os males do mundo e ver de fora, numa nave espacial, a Terra, bela jóia, azul profundo, o azul do mar reflectido na atmosfera ou vice versa, não interessa, não sou uma beleza elegante, não vivi um amor de livro, vivi alguns romances tranquilos e guardo ainda a vontade do beijo da chegada todos os dias, de quem me escreveu dedicatórias em livros e que me vê com olhos parados no tempo, não sou a revolucionária que algum tempo posso ter sonhado, alguém que com discursos e acções pudesse inflamar multidões e despertar consciências, não tenho a casa dos meus sonhos, ainda não fiz as férias dos meus sonhos, não, nada disso, provavelmente não serei uma mulher de sonho, uma filha, mãe ou irmã de sonho, sou eu só, tenho sempre a perspectiva de aprender, faço o melhor que faço, quase sempre, embora tenha dias que me balde ao meu melhor, provavelmente só irei ver a jóia azul no espaço como a vejo desde sempre, em fotografias, vivo o amor, mesmo sem ser dos livros, não tenho soluções imediatas para as dificuldades emergentes nem para as prioridades urgentes, tenho sempre vontade de contribuir para a solução, aprendi a não planear o futuro a longo prazo, para além de poder partir outra perna, podem acontecer múltiplas coisas, tenha as mãos cheias de projectos que vou rescrevendo á medida que mudam as contingências, os factores, as verbas, os meios, as regras não mudei o mundo ainda, mudei só pequenas coisas de pequenos mundos quase insignificantes ou talvez não, Espero nunca perder a perspectiva do azul do mar reflectido na atmosfera ou o seu contrário.

Comentários

Zorze disse…
E repara... Que tu és uma Mulher de sonho!

Beijos,
Zorze
Unknown disse…
Não a conheço pessoalmente, mas escreve como poucos. Deliciosamente, apenas.
LuisPVLopes disse…
Há e haverá sempre coisas boas e más, é o Yin-Yang da vida.
Não é o fim do mundo estragar-se nada desde que não sejamos nós os estragados, ainda que se nos escapem das mãos as coisas e caiam ao chão partindo-se, nada se perdeu, apenas uma momentânea sensação de surpresa associada ao inesperado susto com uma reacção que para uns é de forma extrovertida e, para outros de forma intrínseca, como que um sentimento de culpa auto-infligido, sem contudo valer a pena o suspirar ou assumir culpas que para além de não terem sido atribuídas ao yin, tão pouco foram sentidas pelo yang.

Hoje estou revoltado!
Aliás como quase sempre desde que em 4 vezes na minha viva vivi as maiores alegrias que se podem viver, foram elas cronologicamente:
O 25 de Abril de 1974.
O dia em que me fundi com a minha outra metade.
O dia do nascimento do meu 1º filho.
O dia do nascimento do meu 2º filho.
Não consigo ordenar, em especial as últimas 3 coisas, de forma afectiva, é como se me cortassem em partes iguais.
Mas como dizia estou revoltado desde que este lindo País em Abril de 74 se transformou na toca imunda de ratazanas, tendo sido e continua a ser conspurcado pelas ditas.
Estou revoltado, porque neste processo face oculta , ficou provado o nível das ratazanas, ou seja, 25 de Abril de 1974 se dele restava algo na alma esperançosa de quem tudo deu a este País, em especial FILHOS, hoje só pode ser considerado que foram ASSASSINADAS as liberdades que um dia marcaram a diferença entre um regime podre e bafiento e a esperança de um futuro.
O assassino é o PM deste país que só o é porque um dia existiu alguém que ele nem pode sequer consegue imaginar, devolveu a Portugal a sua dignidade, agora conspurcada e afogada na ambição de um novo ditador.

Xôxos

Ouss
Fernando Samuel disse…
E sendo o que és, és todos esses sonhos...

Um beijo.
Ana Camarra disse…
Zorze

Não, sou só eu!

Ana

Obrigado!

Sensei

Muitos tons de cinzento, não é?

Fernando Samuel

Sou o que sou.

Beijos