Uma espécie de borboleta


As minhas bisavós tinham nomes lindos: Mariana, logo duas, Leonor e Laurinda.
Já falei assim pela rama das Marianas, pouco sobre a Leonor e pouquíssimo sobre a Laurinda.
Bom a Laurinda era a tal casada com um anarco sindicalista, que tocava bandolim e fazia serenatas, que ficou desempregado por liderar uma greve reivindicando coisas para os seus subordinados, que colocou aos filhos apenas os seus apelidos, excluindo os apelidos da Laurinda, que morreu antes dos quarenta anos, desempregado, tuberculoso, deixando a Laurinda cheia de problemas, com um filho quase de colo, uma filha doente e a minha avó, que começou a trabalhar cedinho.
Dando o enquadramento posso dizer que a minha bisavó Laurinda passou por outros desgostos, para além da viuvez, da morte de vários filhos na primeira infância, de privações diversas, de ter assistido à morte de uma filha na idade adulta, ao desvario do filho com jogo e demais miudezas do dia a dia.
No entanto na fase final da vida teve alguma alegrias para além de um genro que se empenhou no seu bem estar, o meu avô, para além do aconchego material que a filha, minha avó lhe proporcionava, a minha bisavó Laurinda, analfabeta, viu as netas irem para o Liceu, as minhas tias, note-se que na época isto era muito à frente, também assistiu ao tecnicolor e aos primeiros tempos da televisão.
Quanto aos primeiros tempos da televisão assistia na Colectividade mais próxima (Sociedade Democrática União Barreirense Os Franceses), com a minha mãe, sua neta mais nova sentada junto ás suas pernas, quando aparecia a locutora a dizer “Boa Noite, Senhores Telespectadores” a minha mãe recebia um calduço ou um puxão de tranças por não ter respondido ao cumprimento, de cinema também gostava, embora não conseguisse ler as legendas e também calhar à neta mais nova bichanar-lhe o enredo ainda assim gostava do Cinema Italiano e tinha preferência por Vitorino Daseca e Sofia Loreno (Vittorio de Sica e Sofia Loren, respectivamente), por fim quando se encontrava na soleira da porta a fazer malha com cinco agulhas, a minha irreverente tia mais velha arremessava-lhe com um “Saia-me da frente seu paquiderme!”, ao que a avó perguntava à minha outra tia “Diz lá à avó o que é um paquiderme?” a minha tia comprometida, respondia “Uma espécie de borboleta, avó!” ao que ela ripostava “As minhas meninas aprendem coisas tão bonitas no Liceu!

Comentários

salvoconduto disse…
Tudo depende dos olhos.

Abreijos.
Anónimo disse…
Ai que história tão linda!
Fica uma pessoa a transbordar de ternura pela tua BI Laurinda.
Um abracinho
Lagartinha de Alhos Vedros
Zorze disse…
Ana,

Adoro o nome Mariana.

Beijos,
Zorze
Fernando Samuel disse…
Estória linda, linda!

Um beijo.
Akhen disse…
Ana

A vida da tua familia e consequentemente a tua, davam um guião para um filme . Tu descreves duma forma que ficamos admirando em imaginação visual, as cenas.
Ana, no fundo o neo-realismo italiano, não fazia mais do que retratar uma sociedade espalhada pela Europa do pós-guerra e nós, sem guerra viviamos essa realidade.
Nunca pensaste esrever a historia da tua familia?
O argumento do livro que nunca mais começas a escrever tu tens.

PAZ e LUZ na tua casa
Akhen disse…
Ana

A vida da tua familia e consequentemente a tua, davam um guião para um filme . Tu descreves duma forma que ficamos admirando em imaginação visual, as cenas.
Ana, no fundo o neo-realismo italiano, não fazia mais do que retratar uma sociedade espalhada pela Europa do pós-guerra e nós, sem guerra viviamos essa realidade.
Nunca pensaste esrever a historia da tua familia?
O argumento do livro que nunca mais começas a escrever tu tens.

PAZ e LUZ na tua casa
Ana Camarra disse…
Salvo

Exactamente.

Lagartinha

Tive pena de não a ter conhecido.


Zorze

Também gosto.

Fernando Samuel

Um dos "clássicos" lá de casa.

Akhen

Já pensei, sim, as minhas tias insistiram várias vezes comigo, porque sempre registei todos os episódios que me contaram.
Morreram já as duas, uma há 3 anos a outra apenas o mês passado.

Beijos