Aristóteles, Catarina de Aragão, limpezas e outras minudências




De manhã começa-se o dia como aparece, uma pequena irritação, alguém que largou o serviço sem água vai e que logo pela manhã do dia seguinte pergunta se pode sair mais cedo, conto até dez, até vinte, respiro fundo, coloco a cara de mãe austera, debito o raspanete, explico que não pode ser assim, equaciono os lados da questão, tento explicar que os direitos acarretam deveres.
Sigo o dia, prédios, vedações, um relatório interminável, alguém que quer falar das coisas da vida e a quem o desespero leva a pensar que existe uma conspiração generalizada contra si, das mais diversas instituições, repete exaustivamente que tem direitos. Ouço, (parece que é uma qualidade minha) acalmo, tento arranjar saídas, esperanças, perspectivas, sai pelo menos aliviado, mais calmo, alguém o ouviu.
Continua-se, sacos, sinais, escolas, ramos, outras coisas, uma pausa, respirar fundo, almoço combinado, sim vamos.
Vamos pois, almoço e conversa agradável, uma volta, mostrar os pequenos tesouros meio escondidos da minha terra, uma coisa que me dá sempre prazer, mostrar as escadinhas, o chão de paralelepípedo, os edifícios art deco, os azulejos hispano árabes, mostro um pouco, mais peço ajuda a amigos de sempre, mostro aquilo que a maioria desconhece.
Volto ao trabalho, no meio das coisas emergentes saem cenas caricatas, hilariantes, de repente começa a anoitecer, alguém que voltou a estudar e as mãos calejadas custam a responder a questões sobre a lógica Aristotélica, o conflito entre direitos e deveres, o homem como ser social por oposição ao egoísmo e ao mundo centrado dentro de nós. Dou exemplos práticos do dia a dia, ajudo a burilar palavras, desembrulho o Aristóteles escondido no fundo da minha cabeça, até gosto, sempre gostei desse grego.
Continua-se, limpa-se gavetas, rasgo papeis que se guardou porque fariam muita falta e agora se constata que não fizeram falta nenhuma, sossego um pouco vejo os mails outras coisas, troco dois dedos de conversa, descarto os meus homens via telefónica, saio do trabalho dirijo-me ao novo templo de todas as urbes, o Fórum, onde as lojas são todas iguais a todos os Fóruns, como um hamburger igual a todos os outros, dirijo-me à Livraria, sitio irresistível, acabo por adquirir mais um daqueles romances que gosto, da autora do costume, desta vez sobre Catarina de Aragão, tive de largar o livro por exaustão, afinal precisa de dormir e sonhar um bocadinho, mas a base da história é a mesma da manhã, do Aristóteles, das mãos calejadas e de outras coisas, o frágil equilíbrio entre vontades, deveres e direitos, desejos e obrigações, afinal o trivial não é?

Comentários

Zorze disse…
Ana,

Ao que parece, tiveste umas férias, nem que fosse por uns singelinhos momentos.
Aristóteles e Catarina de Aragão se se cruzassem no tempo, não formariam parelha, cheira-me. Em vários aspectos vivenciais.

Mas desfasados no tempo, quem sabe...
O burilar das palavras, uma pérola...
És mais do que uma pérola... Tu, menina!

Beijos,
Zorze
Fernando Samuel disse…
O trivial, pois claro, esse trivial tão... diferente todas as manhãs e todos os dias, afinal...

Um beijo.
Ana Camarra disse…
Zorze

Não foram férias, uma aberta!
A catarina e o Aristoteles, quem sabe?

Fernando Samuel

Nada mais que o trivial!

José Neves

Adorava, mas não posso!

beijos