Pó sacudido



Definitivamente sacudi o pó, depois de chegar a casa deitar fora o universo recém colonizado das batatas, ter descoberto uns iogurtes passados de prazo, resolvi revolver os cantos à casa.
Primeiro os abastecimentos, frescos, frutas, fiambres, saladas, detergentes extras, sumos, e étecetras, cerca de cem euros de étecetras, carregar, olhar para a lista a certificar-me se não estava registada nenhuma lagosta em vez da lata de atum…não estava, estava mesmo o atum, uns pacotes de esparguete, panos do pó, detergente para a roupa, ovos, nada de anormal, só o preço ou o ordenado.
Carregados os abastecimentos, arrumados no sítio, só para descobrir que me esqueci de umas coisitas, meto mãos à obra, coadjuvada, contra vontade, pelos infantes: ajuda-me aqui, traz outro balde agua limpa, o limpa vidros, despeja o lixo, estica o lençol desse lado, assim foi, no fim a casa parecia a mesma, com um cheiro melhor entre ceras e lavandas, lexivia e óleo de cedro, parecia-me grande demais já, mas valeu a pena. A seguir estive a ver se batia o recorde de número de lavagens consecutivas de roupa, obrigando a máquina a um esforço sobre humano esgotando a capacidade das cordas e as molas da roupa.
Pelo meio as noticias que ouvi de raspão fizeram-me lembrar da Climnestra, heroína improvável mas para quem guardo um cantinho, mas nem a Climinestra me fez desviar do propósito de encher uma caixa plástica de bifes de peru temperados com sal, pimenta, louro, alho e muito sumo de limão que assim ficaram até hoje os ter panado a todos, frito metade, congelado o resto, enquanto remoía as noticias, a preocupação por mais umas areias vadias que deram sinal no rim do conjugue, depois de ter passado toda, todinha, a roupa a ferro, ter bebido um café com meu sobrinho que exige do alto dos seus dez meses uma chávena de agua para beber como nós, ter bebido outro café com um amigo numa pausa imprescindível, ter sabido que morreu repentina e inexplicavelmente outra mulher da minha idade, ter discutido acaloradamente ao telefone com familiares doentes que recusam tratamento, ralado cenoura para o arroz, feito a salada e escrever enfim este desabafo, o pó foi sacudido!
Assim foram os primeiros dois dias da minha última semana de férias.

Doi-me a cabeça e o Universo
Fernando Pessoa

Comentários

Zorze disse…
Ana,

Começo da semana a mil à hora...
Pelo menos o resto da semana perspectiva-se mais relax, ou não!

Por muito que tentemos viver um dia de cada vez, os problemas, aparecem sem marcar na agenda e à hora que lhes apetece. E normalmente sempre a clamar por urgência.

Beijos,
Zorze
Maria disse…
Fiquei cansada só com a escrita... que faria se tivesse feito faxina...

:))
Beijos e até sexta!
salvo disse…
Bom, se for preciso, pela minha parte, assino-te os documentos para voltares já para férias outra vez. Não é nada, não é nada, mas os electro-domésticos ainda se podem lembrar de apresentar queixa ao sindicato...

Abreijos.
Anónimo disse…
Invejo a tua energia! Que inicio de semana...
mugabe disse…
E os infantes e o conjugue, não ajudam nada ???

Abraço!
Anónimo disse…
Um abracinho
Lagartinha de Alhos Vedros
Diogo disse…
«caixa plástica de bifes de peru temperados com sal, pimenta, louro, alho e muito sumo de limão que assim ficaram até hoje os ter panado a todos, frito metade, congelado o resto»

Então e os megulhos nas águas geladas, seguidos de uma imperial?

Beijo
Akhen disse…
Quando abri a caixa de comentários, curiosamente a figura que ficava imediatamente abaixo era a de Leda. Toda torcida e cansada. Lembrei-me que poderia ter agarrado no Cisne e ter feito uns bifinhos de perú, temperados "à Ana", para depois paná-los.
Sabes, é que assim teria evitado todo o drama que depois aconteceu.
Uma pequena pergunta. Tirando aqueles problemas que mencionaste, está tudo bem, até com as areias?
Calculo que a resposta seja positiva, por isso Viva a Festa.
Fernando Samuel disse…
As «férias» dão para tudo...

Um beijo.
CPrice disse…
.. que retrato tão real!