As coisas que guardo em mim


De vez em quando sinto-me só, por vezes um pouco triste, insegura, cansada ou só confusa, tenho sempre umas coisas por companhia, o rio, o mar, claro o mar e outras, guardo uma menina comigo, faz-me companhia, relembro coisas, brincadeiras, sensações, como a lota de manhã cedo ainda com estrelas no céu, os homens com capuzes de serapilheiras, as gaivotas enlouquecidas, e por cima dos capuzes caixotes de madeira com peixes a estrebuchar, o cheiro da terra molhada das primeiras chuvas, quando o meu pai me pegava ao colo e me aninhava dentro da sua gabardina, que cheirava a tabaco, isso com o cheiro de castanhas assadas é o cheiro do Outono; a excitação das noites de 24 de Dezembro, com a face encostada à vidraça a adivinhar formatos de nuvens, o calor da cozinha, um cheiro geral de pinheiro e canela, isso é o cheiro do Inverno; as gargalhadas e as correrias com os joelhos esfolados pintalgados com mercúrio as bolachas de baunilha abertas para se lamber o creme, depois espalhadas, pelo campo, por mim e mais dois cúmplices de joelhos pintados, para observar formigas, o campo tinha ervas tenras, por vezes perto borregos que mal se seguravam nas pernas, alfazema a crescer e papoilas a pintalgar, joaninhas, gafanhotos e outros mistérios, será sempre o cheiro da Primavera; o sal a picar depois de um dia de praia, depois deitávamo-nos e adormecíamos com aquela sensação da onda, ir e vir, como se tivesse ganho algo aquático, a figueira no quintal, bastião, montanha, castelo, aventura, o cheiro dos figos a encher o quintal, o cheiro do Verão, para sempre.
Ainda bem que esta miúda me faz companhia….

Comentários

Diogo disse…
Que sorte! Uma amiga de infância!

O meu amigo de infância vai-se tornando cada vez mais nebuloso e os da adolescência vão-se afastando, cada um para seu lado.

Beijo.
Ana Camarra disse…
Diogo

Essa sou eu mesma!!!

Mas tenho amigos de infância ainda, com quem me cruzo quase todos os dias.

beijos
Zorze disse…
Aninhas,

Quando nascemos, nascemos livres e zerados. A viagem não contempla manual de instruções.
Por isso as existências que pululam por aí, são somas de experiências. Logo somos únicos e podemos aprender uns com os outros.
Não há superiores nem inferiores. Supra-sumos, gurus, eminências pardas ou que seja o que for, são frutos da mesma regra universal. Nascer, experiências e morrer.
O jogo do meio é que faz toda a diferença.
Mais do que peças robóticas ou automatas temos a capacidade de pensar, mais do que livre, sem fronteiras.

O teu post, de certa forma, é mágico.
Quando se tenta ensinar a alguém que as mentes humanas ainda não são robóticas, basta ler e apenas este post.

Beijos,
Zorze
Akhen disse…
Não me recordo muito bem das brincadeiras de infância. Recordo-me, vagamente, de colocar algodão com eter nas lagartixas e depois de as abrir com um bisturi que tirara a meu pai. Teria os meus seis anos. Depois, acabou-se o eter.
Do meu pai, tenho duas recordações.
Uma em que me senti em porto seguro, protegido por ele. A outra,
foi num domingo em que saiu de casa e que não me levou com ele, porque eu era muito pequeno. Tão pequeno, que não sabia sequer o que era um funeral.
Amigos de infância, tenho alguns.
Mas julgo que eu não tive infância.
Ai,..Ana..!!

Abraço grande!
Fernando Samuel disse…
E não poderias ter melhor companhia...

Um beijo.
salvo disse…
Amigos de infância, por aqui poucos. Da adolescência alguns.

Quedam-se mais a norte ou espalhados pelos sete cantos do mundo ou que a lei da vida mos vai roubando.

Ficam-me os da idade adulta e os vituais.

Abreijos.
E não é bom ter recordações? Abraço...
Mário Pinto disse…
Ana,

Essa criança que nos acompanha é quase o adulto que nos ampara ao escorregar, se calhar somos cada vez mais impúberes no afrontar de de novas experiências, menos atrevidos, mais amedrontados, mais iguais, menos donos da nossa vontade.
Ainda bem que essa menina não te larga.

Abraço.
Ana Camarra disse…
Zorze

Manuel de instruções não temos, pelo menos os meus meninos não traziam.

Akhen

Não sei o que te dizer, infância tiveste, talvez com mais amargos que doces, eu tive amargos mas procuro as memórias doces.
Espero que tenhas uma vivência doce.

Cidadão do Mundo

Ai?!

Fernando Samuel

Também se quisesse não me via livre dela!

Salvo

Eu sou virtual, mas sou muito a sério também, i’l stand by you!

Amigona avó e neta princesa

É óptimo!

CRN

Não larga, não!

Beijos
Anónimo disse…
Linda

Não conhecia esta tua foto!
Mas só de a ver já sabia que eras tu, contubaus sempre com a mesma cara!

beijos
Diogo disse…
Ana: «Essa sou eu mesma!!!»

Eu percebi. Quis apenas dizer que as minhas recordações de infância já me parecem tão longínquas.

Beijo
Diogo disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Diogo disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse…
Pois!!!!
A mesma cara descarada.
Beijinho

Lagartinha de Alhos Vedros
Ana Camarra disse…
Lagartinha

è verdade a mesma cara descarada!

beijos
Anónimo disse…
Boa amiga, Ana. :)