Das coisas que me contaram I

Os meus avôs maternos viviam no prédio Pessoa.
O nome até é giro.
Era um prédio grande do princípio do século XX que ocupa um quarteirão quase da Travessa do Jardim, ali mesmo junto ao Jardim dos Franceses.
O prédio tinha várias portas e vários andares, três e águas furtadas, varandas periclitantes de ferro forjado nas traseiras com vista para o quintal dos Franceses, para quem não tem ligação com o Barreiro os Franceses são uma colectividade centenária.
Conheci o prédio já degrado onde eu era o bijou, uma criança num prédio de gente velha onde eu corria de andar em andar a ser mimada por todos.
Mas não foi sempre assim, contaram-me muitas histórias quando era um prédio fervilhante de vida e de jovens, filhos de gente modesta, operários, pequenos comerciantes, ferroviários, com os seus filhos.
Das histórias que me contaram é de não esquecer a história da vizinha Jacinta, podemos chamar-lhe assim, ainda me cruzo com filhos e netos, gente afável.
A vizinha Jacinta tinha oito filhos, o marido trabalhava na CUF, frequentemente apanhado pelos “balões” ou seja de vez em quando estava desempregado.
O meu avô era padeiro como tal ainda tenho os livros de rol com dezenas de anos de pão fiado de famílias como a vizinha Jacinta, esta dizia várias vezes ao meu avó “Você é que é o pai dos meus filhos!”, coisa a que a minha avó não achava graça nenhuma.
Muitos dias a mulher deitava as mãos à cabeça sem saber como alimentar os filhos com algo mais para além do pão, chorava e dizia para a minha avó “Ai vizinha, não sei o que fazer para o comer!”
A isso dizia um dos filhos bruto de fome “Oh mãe faça bifes!”

Comentários

Anónimo disse…
Pois aninha!
Bife chegou a ser prenda de anos!
O "Menino Jesus" eu não tive "Pai Natal"trazia tangerinas, sombrinhas de chocolate e lapis de cor.
E depois havia as embalagens da Farinha Amparo, juntava-se dezenas e ganhava-se bolas, malas de cartão!!!

Pois foi aninha, sempre só fui rica de afectos, trabalho logo aos 16anos, sonhos e lutas!!!

Um abraço

Lagartinha de Alhos Vedros
salvoconduto disse…
Sabes do que eu mais gostava quando construiram um prédio de vários andares na cidade onde nasci? Das campainhas... As minhas mãos pequenas não chegavam para todas, ao mesmo tempo...

O carlos, o "pulga" como lhe chamavam é que tinha jeito, quando vinha de comprar o leite, metia as duas garrafas debaixo dos braços e carregava nelas, com a cabeça. Até ao dia em que estando nesse propósito sentiu uma mão a aquecer-lhe o ombro, era a bófia...

Abreijos.
Zorze disse…
Ana,

E estas histórias são aos milhões.
Mas diabo de humanidade!

Beijos,
Zorze
Zorze disse…
Faltou o "que" diabo...
Diogo disse…
Outros tempos. Hoje não há nenhum motivo para que uma criança chore com fome neste rectângulo.

O que eu (bruto de raiva) digo é: procuremos os banqueiros e os políticos próximos e façamos carne picada. E estou a falar a sério.

Beijo
CRN disse…
Ana,

Ainda há quem não tenha visto um bife, nem de cavalo.


A revolução é hoje!
Ana Camarra disse…
Lagartinha-ès uma rica mulher! Mas sim, é bom que não se esqueçam certas coisas, felizmente não as vivi.

Salvo-E também gostava de tocar as campainhas entre outras maldades, este rédio nas as tinha, tinha mãozinhas de ferro com bolas, sabes? Atava-se um fio de pesca e batiamos desenfreadamente...

Zorze-São estas histórias que não se querem repetidas.

Diogo-Estás a falar a sério e não vinha daí nenhum mal ao mundo...

CRN-Pois há!

Beijos
Fernando Samuel disse…
Lembrei-me daquela mulher a abraçar o Vasco Gonçalves e a dizer-lhe que foi graças a ele que comeu o primeiro bife na sua vida.

Um beijo.