O Meu Alentejo I

Portanto sempre estive perto do Alentejo e dos Alentejanos.
Quem tomava conta de mim desde miúda, era a minha Chica, a minha Chica é de Vila Nova da Baronia, Alvito, veio para o Barreiro, com o companheiro e os seus cinco filhos, fugida à fome, à falta de trabalho.
Não sei muito precisamente como conheceu os meus pais, sei que a minha mãe estava grávida de mim, que o meu pai se apaixonou por aquela família, principalmente pelos cinco rebentos.
O meu pai adorava crianças, gostava também da sabedoria popular, que o companheiro da Chica transmitia, uma sabedoria feita da vida e do trabalho, dos ciclos da terra.
Portanto esta família e a minha criaram laços muito fortes, quando nasci, quando a minha mãe foi trabalhar, fiquei com a Chica e com cinco irmãos mais velhos.
Aprendi muita coisa com eles, para além de me tirarem a chucha, com certeza irei falar mais sobre eles.
Mas aprendi que existia assim uma zona linda, de planícies, cigarras aos gritos, casas muito brancas com barra azul, louças de barro alegres e gente com fome.
Gente com fome que conseguia cantar as suas magoas num canto lindo e arrastado, que aprendeu a fazer delicias com muito pouco: agua quente, um fio de azeite, pão duro, coentros, uma açorda; ervas meio bravias como as beldroegas novamente para uma sopa divinal; uns pequenos nacos de porco, conservados na banha do mesmo, fritos, acompanhados de fabulosas migas de pão.
Fui com eles ao Alentejo, várias vezes, corria livre, chupava azedas, vi nascer borregos.
A primeira vez que assisti a uma matança de porco chorei desmesuradamente com pena do bicho, depois aprendi que aquele animal mantido a cascas de fruta e bolota, era o sustento de um ano inteiro, em chouriços, carne guardada na banha (banha de cor com que se barrava o pão), toucinho para se juntar a uma sopa.
Aprendi que aquelas terras imensas cobertas de espigas davam só essa riqueza, bem como a riqueza da cortiça, do vinho e do azeite a um numero pequeno de homens altivos de botas cardadas, jaquetas de pelica, que tratavam os outros todos como se fossem uma espécie de animais bravios, perdiam-se em dias de caça e petiscadas, luxos em Lisboa.
Aprendia também que aquela gente com aquele ar calmo, não era resignada, era apenas paciente.
Portanto ainda hoje este Alentejo, belo mas agreste, de fome e sofrimento faz parte de mim também.
Encontrei o mais tarde, muitas vezes, em histórias de diversas pessoas, nas palavras de Manuel da Fonseca, de Saramago e de outros.
Fiquei assim marcada por esse testemunho, não passado geneticamente mas transmitido.
E existe um Alentejo, meu assim, planícies a perder de vista, casas brancas, chaminés com cegonhas, milagres feitos com pouco e gente paciente, não conformada, mas paciente.

Comentários

Cara Nani,

Viva o nosso Alentejo,

Queriamos-te desejar umas boas festas e um 2009 pleno de saúde, paz de espírito e solidariedade.

Com um abraço amigo de todo o Clã Pinotes Batista,

P'las pontas dos dedos do,

André Pinotes Batista
duarte disse…
a terra fez-se paciente
e nós filhos da primavera
temos dela a semente
do fruto novo que s'espera...
abraço do vale
Paulo Lontro disse…
Como eu gosto desta tua faceta nostálgica…
Eu fui gostando do Alentejo nos últimos anos, hoje, tal como já mostrei no meu canto, o Alentejo é uma paixão.
Zorze disse…
São vidas vividas.

Gosto muito do azeite, e do mel. Da azeitona, também. Da petiscada, com pão, do tinto com branco misturado, dito por alentejanos que assim dava bom beber.

Beijos,
Zorze
Ana Camarra disse…
André-Pois tens uma costela alentejana forte, a tua mãe ainda guarda um rasto de sotaque que lhe dá muito charme.Obrigado pelo carinho de todos transmitido pela ponta dos teus dedos.

Duarte-Os alentejanos tem muito em comum com os transmontanos é a vida dura que os ensina a ser assim, poetas rudes, fazedores de milgres.

Paulo-Pois o Alentejo não deixa ninguem indiferente, quando entra em nós, cresce!

Zorze-Eu adoro azeitonas, mas sou alérgica infelizmente. Essa mistura que falas chama-se palheto, o pão alentejano, o verdadeiro é quase uma sinfonia!

Beijos
Ana Camarra disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse…
Admiro esse povo. Quanto à paisagem, existe no nordeste transmontano, o planalto Mirandês, que em tudo lhe é igual. Se lá acordássemos de repente, diríamos que estávamos no Alentejo.
Não digam que é melhor, ou que é mais plano porque vos respondo com as mesmíssimas palavras, que um simpático ancião me respondeu: então vocês dizem que o Alentejo é plano? Plano não, chato!

Abreijos
Maria disse…
Esta fotografia está fantástica!
(e que dizer do toucinho cortado fininho em cima de uma fatia de pãozinho?)
;)))
samuel disse…
Gente que teima em ter tempo...
J. Maldonado disse…
As minhas raízes são alentejanas, passei uma parte da minha infância no Alentejo e sempre que posso (não tantas as vezes como seria recomendável, dadas as actuais circunstâncias da minha vida) lá vou, nomeadamente no Natal.
A extensão das planícies alentejanas faz-nos sentir pequenos perante a Natureza, em certo sentido. Porém, na minha opinião, o que estraga o Alentejo são os latifúndios abandonados, que, provavelmente, serão comprados pelos espanhóis ou holandeses um dia desses, visto que os seus proprietários estão-se a borrifar para a agricultura...
O Alentejo è terra de pão, de gente de paz, de vinhos majestosos e de um povo de convicções firmes, que não verga com facilidade.

CASTELO DE BEJA

Castelo de Beja,
No plaino sem fim;

Já morto que eu seja,
Lembra-te de mim!

Castelo de Beja,
De nuvens toucado;

A luz que te beija
É sol do Passado!

Castelo de Beja,
Espiando o inimigo;

Te veja ou não veja,
Sempre estou contigo!

Castelo de Beja,
Feito de epopeias;

Um sonho flameja,
Nas tuas ameias!

Castelo de Beja,
Subindo, lá vais...
Tu fazes inveja
Às águias reais!

Castelo de Beja,
Lembra-te de mim:

Saudade que adeja,

No plaino sem fim...

Um 2009 com tudo de bom para ti e para os teus.

Beijos
Rui Silva disse…
Estes teus textos fazem destas coisas,há um bom bocado que estou aqui a recordar outros tempos.As semanas que fiquei em Alcaçer,Cuba,Vidigueira,Beja,Extremoz,Elvas,Èvora etc,etc.Em qualquer sitio onde existisse um secador de arroz ou silos de cereais.Lidei bem com o Alentejo e as suas gentes.Anos mais tarde,calcorrei as planicies do alentejo a partir de Portalegre e de Cuba,acelarando com o punho direito como se não existisse amanhã.
Anónimo disse…
Tal tá a moengaaaa !

Alentejo terra de resistência e sofrimento. Vivi em Estremoz 4 anos e sei como era o costume dos senhores latifundiários,....aos sábados os trabalhadores faziam fila à porta do café mais chic da terra para os senhores lhes pagarem e...quando pagavam !!
Anónimo disse…
Ana, desculpa, não te mandei um abraço.....! já agora também um beijinho que estou em maré de afectos ahahaha !
PDuarte disse…
Nani...
gostei.
Um beijo grande para ti.
Diogo disse…
Mais um texto muitíssimo bom.

O feudalismo alentejano parece estar a alastrar a todo país (a todo o mundo). Cada vez mais, o mundo é de cada vez menos. As pessoas têm de parar de se resignar com as «coisas são mesmo assim».
Ana Camarra disse…
Salvoconduto-Pois eu também acho o Nordeste com muitas parecenças, são terras duras. Mas o Alentejo não é chato….
Tu é que és brincalhão!

Maria-Eu não sou muito amante de toucinho, mas pronto.

Samuel-E fazem muito bem.

Maldonado-Acho que foi sempre o mal do Alentejo, um certo abandono.

José-Que gira a tua homenagem a Beja!

Conde-também tens o teu Alentejo, mas eu tenho mais que este.

Mugabe-Tens essa vivência, que é muito marcante. Ainda bem que regresses para me dar um abraço e um beijinho, sabe sempre bem.

PDuarte-Nani é um diminutivo que começou na família e se espalhou por alguns amigos.

beijos
Fernando Samuel disse…
E começaram cedo, os alentejanos: quando Nuno Álvares Pereira precisou de soldados para vencer os castelhanos em Aljubarrota, foi no Alentejo que os encontrou... e depois estiveram na primeira fila da luta contra o fascismo... e construíram a mais bela conquista de Abril, a Reforma Agrária...


Um beijo amigo.