A Bera...


Ao ter falado ontem algumas diabruras da infância relembrei outras, é sempre assim não é?
A questão é abrir os arquivos da memória. Éramos imaginativos!
Agíamos em bando, ou o Bando pequeno, eu e os meus dois primos, ou os miúdos do quarteirão inteiro.
Eu e o primo da minha idade fazíamos uma dupla imparável
Lembro-me várias, desde as experiências que fazíamos, em que juntávamos numa tigela, malga, fosse o que fosse, um bocadinho de cada coisa existente no armário da casa de banho, cada coisa compreendia desde agua oxigenada e tintura de iodo a cetavlex e pó de arroz.
Misturávamos tudo e aplicávamos nos braços do Avô Zé, avô só dos meus primos mas que era meu avô por arrasto e que dava cobertura a todas as loucuras.
Trepar a arvores, comer fruta directamente nessas escaladas, isso era trivial, tão trivial como o quintal de família que tinha uma figueira, uma ginjeira, uma nespereira, um limoeiro e uma laranjeira.


Era a nossa selva de explorações audazes, ilha de piratas, bosque medieval, conforme a aventura.
Menos trivial foi devorar-mos todos os medronhos de num dia de verão, de um medronheiro existente no terreno de um amigo de família.
Apanhamos uma piela e ninguém percebia porquê até se dar conta que o medronheiro estava limpo.
Amarrar guitas (cordéis) aos batentes em forma de mão a segurar uma bola, nas casas antigas e ficar do outro lado da rua a ver o desassossego das velhotas por não perceberem quem lhes batia à porta.


Uma que não lembra a ninguém consistiu em mastigar seis pastilhas super Gorilas (alguém se lembra?) e fazer 3 balões enormes, que fechamos cuidadosamente com os dedos e colocámos no congelador, quando a bisavó dos meus primos o abriu deparou-se com 3 bolas cinzentas a flutuar (devido ao nosso bafo quente que continha) à altura do seu nariz que entretanto rebentaram com um som poc…
Escusado será dizer que a senhora ia tendo um ataque.
Molhar de propósito com o borrifador da roupa o açúcar amarelo, porque a nossa avó nos deixava comer os torrões.
Roubarmos ladrilhos de marmelada dos tabuleiros tapados com papel vegetal.
Decidirmos fazer experiências culinárias, que terminavam em mistelas impossíveis de comer ou grandes dores de barriga, a cozinha toda suja e vários utensílios de cozinha estragados…
Encher latas de Ceralac de bombas de Carnaval para ver qual a altura a que elevavam…
Os métodos infalíveis que tínhamos para arrancar dentes de leite a abanar que passavam por amarrar uma linha ao dente e o outro extremo a um dardo com ventosa que disparávamos, ou a uma seta…
Levar grilos para dentro de casa e obrigar a família a andar de madrugada à procura do bicharoco que não deixava ninguém dormir.
Os jogos de Química, tremendo presente que recebemos e deu direito a vários estragos.
Campeonatos de pião, espeta e berlindes….


A nossa vivência era feita de um prédio onde residiam avós, bisavós e vários casais de tios-avós, dos meus primos, mas que sempre me adoptaram, a casa da nossa avó comum, a casas das múltiplas tias e primas avós que tínhamos, ainda temos, aliás, uma parte.
Na maior parte delas tínhamos liberdade quase total, nalgumas mais ríspidas tínhamos de ser mais contidos.
Algumas tinham horta, quintal e galinheiro.
Uma delas, morreu recentemente com 90 anos, nunca me chamou Ana, apenas “Bera”, um “Bera” carinhoso, acompanhado de beliscões nas bochechas apesar de eu me ter dobrar para os beliscões, dos meus filhos olharem pasmados para aquilo, da minha Tia Isaura insistir que já não me deviam tratar assim “Porque a menina já é uma senhora!”, apesar disso sentia-me sempre a “Bera”, e a minha prima recompensava-me as traquinices com uma fabulosa fatia de pão caseiro e doce tomate.
Acho que nunca deixei de ser a “Bera”!
Agora que abri esta porta de recordações, dou por mim a lembrar-me de muitas mais.
Até à adolescência eu fazia tudo como eles, apesar de ser “a menina”, depois quando fisicamente começámos a modificar-nos fomos de certa forma apartados, mas continuámos cúmplices pela adolescência fora, em outras tropelias que ficam para outra vez…

Comentários

Anónimo disse…
és uma "bera" porreira....!
Diogo disse…
Muitos anos se viveram naqueles breves tempos de infância avançada. É bom guardar boas recordações desses tempos.
Ana Camarra disse…
Mugabe

Obrigado, mas este "bera" era de uma ternura...

Diogo

É verdade, a infância ficou assim, com algumas coisas más, também que não vale a pena mexer e este salpicado de estrelas.

beijos
Anónimo disse…
Sacaste-me um sorriso e fizeste-me recordar os 'Beras', eu os meus irmãos os meus primos e amigo e a diabruras que faziamos na fazenda da minha avó materna... Sua bera :-) fazes-nos recordar contigo...
Kisses Grandes
Anónimo disse…
Ah moça bera, este artigo está divino e as recordações ainda mais... Kiss Grande (de novo)
Anónimo disse…
Belas recordações. Nada beras!
Anónimo disse…
Tudo bem, tudo bem, excepto os grilos, custou-me caro...
Eram muitos e desataram a cantar todos ao mesmo tempo...

O vizinho, o "feijoeiro" que também os levara para casa apareceu com uma mão marcada na cara. Era gordo o "feijoeiro" e eu magro, sem air bags...

Abreijo
PDuarte disse…
é também com os meus primos que guardo as melhores recordações de menino que fui e ainda tento ser.
Zorze disse…
Cuidado com esta "Bera". É feroz, mas, de uma ternura imensa.

Ainda queres que te mostre os monstros? Curiosidade da "Bera" ternurenta e amiga sem limites.

E não é que foste benzer os girinos com água benta! Agora é que me lembrei.

Sua traquinas!

Beijos,
Zorze
Anónimo disse…
Ana
As minhas netas são assim como tu eras, eu costumo dizer-lhes vocês são "frescas".
Quando se vão embora ao domingo á tarde deixam tudo para o velho arrumar.
Bjos
Anónimo disse…
Cuidado!!! Quando a nossa vida começa a ficar um monte de recordações é sinal que estamos a ficar "velhotes" (lol).
Anónimo disse…
Delicioso simplesmente!
O que tu me fazes lembrar. Obrigada por isso.

beijos
ausenda
DML disse…
Somos um posso de conhecimento e recordacoes!

Sempre bom ler os teus post, sao uma inspiracao! :)

Por acaso ja tinha escrito hoje o meu! :)

Beijinhos
Mário Pinto disse…
Ana,
Quanta liberdade, uma sorte, ainda que sorte não seja algo real!

A revolução é hoje!
Ana Camarra disse…
Rex – obrigado, amigo, acho que toda a gente tem assim estes tesouros.

Carlos – As beras a gente esquece, ou tenta pelo menos.

Salvoconduto-Os grilos, os gafanhotos, etc…tadinho do meu amigo sem air bags.

Pduarte-Guarda esse menino.

Zorze- não sou nada feroz, curiosa dos monstros é claro que sim, sou muito curiosa. Não fui benzer os girinos fui coloca-los na agua benta e esperar pacientemente pelos gritos das beatas da missa das 17 ou 18.

José – E fresquinhas é que é, o avô adora não adora?

Opinador-A minha vida não é só recordações, é trabalho e projectos também, mas as recordações também fazem falta.

Dml- Ainda não vi o teu, já vou ver.

Crn- A sorte é um conjunto feliz de coincidências, acho mais que liberdade, apesar de alguns desaires tive uma infância acolchoada em carinhos.

Beijos
Anónimo disse…
Olá amiga

Já agora, entre tantas que fiz, recordo-me da tosse que provoca-mos a quem se encontrasse numa sala, onde às escondidas introduzia-mos algodão embebido em tintura, algodão esse a arder, onde só fazia fumo, o cheiro do mesmo inalado dá uma tosse que nem queiras saber. Era um fartote de gozo ver aquela gentinha a fugir sem saber o que lhes estava a acontecer.

BJS
Ana Camarra disse…
Ferroadas

Também eras fresco.

beijo
F Nando disse…
Obrigada Ana por trazeres à lembrança a infância

Beijinho
Rui Silva disse…
Fazes-me recordar da minha infancia,que foi um bocado mais solitária do que a tua,não tinha primos por perto,o meu irmão é mais novo 4 anos,em contrapartida tive uma colina inteira para explorar,tive um quintal enorme para brincar e um horizonte a perder de vista para questionar.
Rui Silva disse…
Não fazia ideia de que o Barreiro fosse tão antigo,pensáva que tinha sido uma consequencia da cintura industrial que já foi bem activa por ai,ficou registada a tua oferta ,que eu agradeço.
Ana Camarra disse…
f nando - Não tem nada que agradecer...

Conde - o que interessa é que tenha sido assim um pedaço de boas recordações para a vida.
Quanto ao Barreiro, é assim, há um Barreiro desconhecido á tua espera.
Só dizeres.

beijos
Rei da Lã disse…
Só falta teres referido os cigarros feitos de barba de milho...
Ana Camarra disse…
Magestade

Por acaso essa não fazia, mas assisti...
Era cumplice!

beijos
LuisPVLopes disse…
És mesmo Bera!... Não escreves o livrito e depois não há Varadero para ninguém, nem outras coisas, como o gozo que dá, ver o gozo dos outros, no prazer de te ler.

Xôxos

Ouss
Ana Camarra disse…
Sensei

Qualquer dia é dia de escrever, só mais nada...