
Há duas décadas que lido com meninos perdidos.
Não no conceito aventureiro e lírico do Peter Pan.
Estes meninos vivem perdidos noutros limbos de misérias várias.
As histórias são muitas, passo a citar apenas duas, com outros nomes é claro.
Estas crianças foram acompanhadas por uma equipa multi disciplinar, oficiosa, de profissionais que sem conseguirem respostas institucionais meteram mão á obra, sem meios, sem recursos e sem apoios.
Éramos umas quantas mulheres de boa vontade: eu, uma professora de ensino especial entretanto já vencia por um AVC, algumas Professoras de Ensino Básico, uma Enfermeira do Gabinete de Saúde Escolar já reformada, uma Assistente Social já avó, com muita garra, que ainda hoje na casa dos setenta continua activa em regime de voluntariado em várias frentes, algumas do Centro de Saúde que não dormiam descansadas quando misérias várias lhes passavam pelas mãos. O único apoio vinha de uma Autarquia Local, no seu degrau mais pequeno.
Começámos a intervir quando depois de recorrermos á vários projectos Interministeriais de vários Governos se revelaram um logro. Eram projectos bonitos na sua essência eram feitos seminários pomposos, em hotéis com pastas bonitas, delineadas estratégias e metas impossíveis, recordo por exemplo o PIPSE ou o PEPT2000. Dinheiro e meios nunca apareceram.
A História Maria
Maria era menina franzina de pernas compridas e olhar parado quando a conheci, após apelos vários da Professora e da Professora de Ensino Especial que a tentava acompanhar, decidimos visitar in loco a casa de Maria. Era uma casa pequena muito sujo com duas tristes assoalhadas onde o lixo, roupa, alguidares, tachos e calçado se espalhavam pelo chão.
A mãe aparentava boa saúde mas mantinha-se na cama aprisionada por diversas doenças imaginárias, o pai pequeno biscateiro tinha fama de pedófilo e pequeno gatuno, o irmão montava e desmontava motas que apareciam não se sabe de onde, suspeitava-se de um pequeno trafico de estupefacientes.
Quando entrámos ficamos cobertas de pulgas.
Havia um divã para o irmão e o leito conjugal era dos pais e da Maria.
A Maria apresentava atrasos de desenvolvimento, uma estrutura franzina, tirando as refeições escolares nunca comia a horas certas. Despontavam-lhe uns tímidos seios.
A casa foi limpa por desinfectantes comprados por nós, aplicados por funcionários da Higiene Urbana da Autarquia que descobriram que o chão depois de limpo era de tacos de madeira e não cimento. Tal a quantidade de porcaria. Foi dada uma cama com colchão para a Maria.
Foi vista pela médica, foi aplicado remédio para os piolhos.
Foram deitadas fora roupas e enormes quantidades de lixo.
Passado pouco tempo estava tudo igual.
A Maria já não frequentou o ciclo porque não valia a pena, diziam os pais.
Hoje tem vinte e poucos anos e dois filhos, um mulatinho, outro mais pálido, não sei quem são os pais das crianças, a Maria na sua fome de afectos deve ter confundido a luxúria com amor. Os meninos têm o olhar parado e triste da mãe.
A História de Rodrigo
Rodrigo tinha 6 anos quando o pai morreu num acidente de motorizada.
A mãe de seguida abandonou-o a ele e ao irmão adolescente, na casa abarracada onde vivia.
O irmão depressa se perdeu no consumo de heroína e no pequeno crime.
Quando estava mais ou menos lúcido e com dinheiro atafulhava o irmão de chocolates, coca colas, bolicaos e rebuçados.
Construímos uma rede de apoio enquanto esperávamos uma resposta do Tribunal de Menores:
Dávamos-lhe banho 3 vezes por semana em casa da Professora
Preparava-se comer a mais na cantina escolar para o Rodrigo
Adquirimos o material escolar necessário com o apoio de um grupo de pais. Porque para o Rodrigo ter apoio tinha de ser pedido por um encarregado de educação que não existia.
O Rodrigo era levado ao médico e á vacinação por nós.
O mesmo grupo de pais arranja a roupa e revezava-se para as datas festivas como o Natal e férias, para fins-de-semana em casa de colegas.
O Rodrigo tinha uma tão grande sede de amor que sempre que estava com uma de nós aninhava-se ao nosso colo com os braços solidamente presos ao nosso pescoço.
Conseguimos uma declaração da mãe em como prescindia da custódia do menino, por esta altura a mãe prostituía-se num pinhal da zona, para onde era levada pelo companheiro de que já tinha outro filho, igualmente votado ao abandono.
O irmão percebeu que qualquer coisa era melhor que aquilo.
Ao fim de dois anos o Tribunal de Menores emitiu a seguinte ordem: o menino devia de ser entregue a uma Instituição, em Lisboa em regime de internato.
Quando vimos o nome da instituição ficámos sideradas, tratava-se de uma instituição para deficientes mentais profundos.
O Rodrigo não era deficiente, iria com certeza fugir e dedicar-se a ser um menino de rua com todo o seu calvário.
Conseguimos com os nossos meios colocá-lo noutro lado.
O Rodrigo cresceu, é pai, trabalha numa oficina de mecânica, saúda-nos com sorrisos rasgados e abraços fraternos quando se cruza connosco.
O Tribunal nunca perguntou onde é que ele estava…
Não no conceito aventureiro e lírico do Peter Pan.
Estes meninos vivem perdidos noutros limbos de misérias várias.
As histórias são muitas, passo a citar apenas duas, com outros nomes é claro.
Estas crianças foram acompanhadas por uma equipa multi disciplinar, oficiosa, de profissionais que sem conseguirem respostas institucionais meteram mão á obra, sem meios, sem recursos e sem apoios.
Éramos umas quantas mulheres de boa vontade: eu, uma professora de ensino especial entretanto já vencia por um AVC, algumas Professoras de Ensino Básico, uma Enfermeira do Gabinete de Saúde Escolar já reformada, uma Assistente Social já avó, com muita garra, que ainda hoje na casa dos setenta continua activa em regime de voluntariado em várias frentes, algumas do Centro de Saúde que não dormiam descansadas quando misérias várias lhes passavam pelas mãos. O único apoio vinha de uma Autarquia Local, no seu degrau mais pequeno.
Começámos a intervir quando depois de recorrermos á vários projectos Interministeriais de vários Governos se revelaram um logro. Eram projectos bonitos na sua essência eram feitos seminários pomposos, em hotéis com pastas bonitas, delineadas estratégias e metas impossíveis, recordo por exemplo o PIPSE ou o PEPT2000. Dinheiro e meios nunca apareceram.
A História Maria
Maria era menina franzina de pernas compridas e olhar parado quando a conheci, após apelos vários da Professora e da Professora de Ensino Especial que a tentava acompanhar, decidimos visitar in loco a casa de Maria. Era uma casa pequena muito sujo com duas tristes assoalhadas onde o lixo, roupa, alguidares, tachos e calçado se espalhavam pelo chão.
A mãe aparentava boa saúde mas mantinha-se na cama aprisionada por diversas doenças imaginárias, o pai pequeno biscateiro tinha fama de pedófilo e pequeno gatuno, o irmão montava e desmontava motas que apareciam não se sabe de onde, suspeitava-se de um pequeno trafico de estupefacientes.
Quando entrámos ficamos cobertas de pulgas.
Havia um divã para o irmão e o leito conjugal era dos pais e da Maria.
A Maria apresentava atrasos de desenvolvimento, uma estrutura franzina, tirando as refeições escolares nunca comia a horas certas. Despontavam-lhe uns tímidos seios.
A casa foi limpa por desinfectantes comprados por nós, aplicados por funcionários da Higiene Urbana da Autarquia que descobriram que o chão depois de limpo era de tacos de madeira e não cimento. Tal a quantidade de porcaria. Foi dada uma cama com colchão para a Maria.
Foi vista pela médica, foi aplicado remédio para os piolhos.
Foram deitadas fora roupas e enormes quantidades de lixo.
Passado pouco tempo estava tudo igual.
A Maria já não frequentou o ciclo porque não valia a pena, diziam os pais.
Hoje tem vinte e poucos anos e dois filhos, um mulatinho, outro mais pálido, não sei quem são os pais das crianças, a Maria na sua fome de afectos deve ter confundido a luxúria com amor. Os meninos têm o olhar parado e triste da mãe.
A História de Rodrigo
Rodrigo tinha 6 anos quando o pai morreu num acidente de motorizada.
A mãe de seguida abandonou-o a ele e ao irmão adolescente, na casa abarracada onde vivia.
O irmão depressa se perdeu no consumo de heroína e no pequeno crime.
Quando estava mais ou menos lúcido e com dinheiro atafulhava o irmão de chocolates, coca colas, bolicaos e rebuçados.
Construímos uma rede de apoio enquanto esperávamos uma resposta do Tribunal de Menores:
Dávamos-lhe banho 3 vezes por semana em casa da Professora
Preparava-se comer a mais na cantina escolar para o Rodrigo
Adquirimos o material escolar necessário com o apoio de um grupo de pais. Porque para o Rodrigo ter apoio tinha de ser pedido por um encarregado de educação que não existia.
O Rodrigo era levado ao médico e á vacinação por nós.
O mesmo grupo de pais arranja a roupa e revezava-se para as datas festivas como o Natal e férias, para fins-de-semana em casa de colegas.
O Rodrigo tinha uma tão grande sede de amor que sempre que estava com uma de nós aninhava-se ao nosso colo com os braços solidamente presos ao nosso pescoço.
Conseguimos uma declaração da mãe em como prescindia da custódia do menino, por esta altura a mãe prostituía-se num pinhal da zona, para onde era levada pelo companheiro de que já tinha outro filho, igualmente votado ao abandono.
O irmão percebeu que qualquer coisa era melhor que aquilo.
Ao fim de dois anos o Tribunal de Menores emitiu a seguinte ordem: o menino devia de ser entregue a uma Instituição, em Lisboa em regime de internato.
Quando vimos o nome da instituição ficámos sideradas, tratava-se de uma instituição para deficientes mentais profundos.
O Rodrigo não era deficiente, iria com certeza fugir e dedicar-se a ser um menino de rua com todo o seu calvário.
Conseguimos com os nossos meios colocá-lo noutro lado.
O Rodrigo cresceu, é pai, trabalha numa oficina de mecânica, saúda-nos com sorrisos rasgados e abraços fraternos quando se cruza connosco.
O Tribunal nunca perguntou onde é que ele estava…
Comentários
Posso perguntar, quase com a certeza da resposta, há mais histórias como essas?
Onnde estão os serviços de Segurança Social, as Comissões de Protecção de Menores?
O que fazem?
Todas as instituições que nos pedem dinheiro.
E os nossos impostos não eram para acabar com essa realidade.
Somos o país Europeu?
Enfim uma tristeza.
Isto nunca poderia ser tratado assim por mulheres de boa vontade.
Embora ache o vosso esforçõ meritório.
Para que querem o dinheiro dos NOSSOS impostos?
Enquanto continuar este estado de coisas, são pessoas como vocês que tem de olhar por isto...
BJS
Mais do ser triste é real.
E cada dia que passa mais tenho a certeza que este tipo de sociedade onde vivemos vai produzindo mais casos destes.
As Comissões de Protecções de menores são feitas de pessoas, e só, porque também não possuem meios próprios, os apoios que existem ás Comissões são das Autarquias e ponto final parágrafo.
As Autarquias também não recebem dinheiro do Poder Central para este tipo de intervenção, mas ainda assim são as mais actuantes.
Ferroadas
Penso que posso dizer á vontade que é isto que nos move.
A construção duma sociedade mais justa e solidária e inconformidade com Estado das coisas. A certeza que é possível um futuro melhor para todos e não só para alguns.
Por fim dizer só que estes são mesmo só 2 casos de muitos mais que tenho para contar. Que já apanhei a leva de filhos dos meus primeiros meninos perdidos.
Por vezes tenho a sensação que estou a estancar uma hemorragia com um penso rápido e penso que tenho que deixar-me disto, depois de vez em quando um sucesso e tudo vale a pena.
Caridade é uma palavra horrivel.
Solidariedade sim.
pois é. Mas a verdade é que ainda existe escondida atrás da solidariedade, que infelizmente há muito pouca.
Toda a gente as vê mas quase todos as ignoram.
Ainda bem que alguns dos nossos juízes são distraídos, ou indiferentes, vá-se lá saber.
Quem tem poder para tomar decisões sobre a vida de inocentes, devia ter preparação especial e não apenas vestir uma “saia” preta.
Veja-se o caso de Torres Novas.
Cambada de cretinos que andam no Mundo com o fim único de encher a pança e a conta bancária.
Depois ainda têm o descaramento de exigir respeito...
Bjs.
Essas histórias são de facto horriveis mas infelçizmente verdadeiras.
Ó eu me engano muito ou temos assento conjunto nalguns organismos.
Eu até já estou a ver que é Ana da voz rouca que gosta de dar pedradas no charco.
He He
Sim mas nunca penses que me move é a caridade.
Caridade cheira a sacristia.
Cheira aquelas pessoas que fazem jantares com lagosta e caviar, para comprar farinha e massa para os pobrezinhos.
È preciso mudar as condições básicas de vida das pessoas, garantir: emprego, habitação, educação, saúde…enfim as máximas do PREC
Quando lá chegarmos deixaram de existir estas situações.
E a educação é muito importante porque um povo com educação é um povo reivindicativo e exigente.
Prof. Atever
Realmente a justiça brinda-nos com decisões no mínimo estranhas.
O teu blogue está impróprio para senhoras….
Anónimo 1
Ainda bem que gosta.
Fique só a saber que existem muitos mais histórias iguais ou parecidas, estas duas pecam por estar aligeiradas de muitos pormenores degradantes.
Anónimo 2
Se está a atirar barro á parede esclarece já - sou comunista com muita convicção, orgulho e com a certeza que ainda se pode construir outro tipo de mundo.
Não, não como criancinhas nem mato velhotes com injecções atrás da orelha, empenho muito do tempo com estas situações a resolver ou a tentar resolver vidas de criancinhas. Acima de tudo tentar que sejam adultos com dignidade.
Percebeu?
Obrigado a todos
Ana
Pais sem cultura, por culpa de um ensino público propositadamente deficitário pelas mãos dos governos de forma a garantirem os lobbies do ensino privado, que logo à partida inviabilizam a população mais pobre assim como os milhares que estão a ficar cada vez mais pobres a cada dia que passa, com um futuro precário e ou empenhado, made in PS & PSD.
Com a criação de desigualdades sociais nunca antes havidas em Portugal, numa relação de 1 para milhares, são milhares a pagar 1 salário de um boy ou uma girl made PS e PSD em empresas constituídas em lobbies com estes (des) governos.
Empurram assim para a miséria e para a desgraça milhares de pessoas, pais e filhos, como se de lixo se tratasse, espezinham-nos e criam ladrões, porque para sobreviverem têm de roubar, uma vez que lhes negam o direito universal ao trabalho, as mulheres prostituem-se por valores irrisórios, mas têm de comer, assim os filhos desta gente que aumenta a olhos vistos, só podem chorar lágrimas não só de fome de comida, mas também de fome de amor e carinho, de um tecto que os cubra, de uma saúde que para eles olhe como seres humanos e não como fonte de rendimento que em caso de não terem passam a dejectos, acima de tudo necessitam de justiça, da justiça que lhes é roubada por estes algozes do PS e do PSD.
SÃO FILHOS DE PORTUGAL DESPREZADOS PELOS GOVERNANTES E ESQUECIDOS PELOS PORTUGUESES NA HORA DO VOTO!...
ATÉ AO DIA EM QUE TAMBÉM LHES VAI BATER À PORTA.
Pois é.
Mas pode ser que isto mude
Tou procurando amiga!!
Pode ser que isto mude se estes gajos não tiverem maioria absoluta. Se na maioria da Assembleia tiver contraponto de esquerda pelo menos não podem fazer tudo o que querem.
Sou realista e não espero milagres...
É preciso saber aproveitar as oportunidades.
Dizer não, como fizeram os irlandeses, não nos deixaram. Mas temos que pensar noutras formas de luta em conjunto e nos momentos certos. A malta de esquerda, não pode é espartilhar-se, nas lutas concretas.
Lamento muito mas vai ter de procurar noutro local.
Sou muito gaja, gosto muito do meu gajo.
Que parvoíce e estúpidez esse(a) anónimo(a) de 18 de Junho de 2008 19:46
(Fo)Dass