BRINCAR NA RUA











Brincar na Rua era normal e corriqueiro na minha infância, já se sabe que não existiam telemóveis ou outro meio de comunicação que não fosse a minha avó ir á janela e chamar por mim. Os gritos das avós, mães e demais familiares marcavam o ritmo e o fim das brincadeiras.
Tardes a jogar ao peão, aos berlindes, ao “espeta” com uma cavilha enorme, á macaca e semana, ao “lá vai alho”, ás escondidas, á apanhada, bicicletas sem travões, bolas de qualquer coisa (jogos de basquete/futebol/rugby/andebol/volei), ringues, tudo pouco normalizado, pouco ergonómico, sem regras de segurança.
O meu quintal era o Jardim dos Franceses e o Parque do Barreiro (hoje Catarina Eufémia), os bancos eram tudo desde carruagens de colonos a fugir de grupos irados de índios a barcos de piratas, o coreto era uma espécie de castelo ou fortaleza que era tomada por nós á vez, consoante o nosso papel fosse de índio ou cowboy, mouro ou cristão, policia ou ladrão.
Também fazíamos sessões daquilo que hoje é baptizado de dramatização: tardes inteiras a brincar “Aos pequenos vagabundos”, aos “Cinco” e é claro ao “Espaço 1999” (aproveito este momento para pedir as minhas desculpas a todos moradores do prédio da Avenida Alfredo da Silva conhecido por ser o prédio da Tutti-Sports, de 1974 a 1978, porque as campainhas do edifício eram o simulador ideal para o computador central).
A nossa roupa não era de marca, acho que nem havia marcas de roupa infantis, parte dela era até confeccionada por familiares. As nossas merendas eram alegremente partilhadas, a sua composição variava entre o papo-seco recheado (marmelada, queijo, fiambre, tulicreme ou mesmo só manteiga) e uma caneca de leite com chocolate ou qualquer outra imitação de café, de vez em quando um luxo esporádico: um gelado (os Luna Mix do Tico Tico ou um Rajá), um yougurt (copos de vidro) ou um refrigerante (Fruto Real, Laranjina C)
A televisão emitia o seu único canal mais ou menos á hora de almoço e a partir das 19h00 horas até á meia noite, todas as emissões começavam com hino da RTP e acabavam com o Hino Nacional, durante toda a tarde transmitia a Telescola, quando chovia assistíamos a muita aula de francês (Quel est ton nom? Mon nom est Jean) e trabalhos manuais (o professor insistia se colocar o papel metalizado com o dourado para fora.... era tudo a preto e branco).
Ao fim de semana a emissão era maior, assistíamos entusiasmados todos os filmes com Errol Flynn, antes de cada filme era exibido um desenho animado. Existia um aparelho de televisão por habitação e não era em todas. Outra componente importante era a rádio, mas merece um texto só para si.
Telefone também nem todos tinham e nenhum de nós se atrevia a levantar o auscultador e ligar para quem entendesse, telefones de uso privado só os feitos por nós com uma guita e uns copos de plástico…

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