Não sei se me consegues ler nessa
luz difusa, que quando tudo o que resta são palavras, escritas em papéis que
que não me lembro onde guardei, num sonho demasiado confuso, coisas que não
disse, também já não digo, morrem escritas em sonhos confusos, na areia da maré
baixa, na humidade de um vidro, em conversas solitárias com nó na garganta e em
papéis que não sei onde guardei, se os rasguei, se os coloquei numa garrafa se
os lancei ao vento.
Não interessa, ficam onde
ficaram, pode ser que sejam descobertas por um arqueólogo emocional, numa
escavação onde alguém procure fragmentos de outras coisas, restos de vidas, de
trapos, de cacos, telhas, fundações, e no fim encontrem assim as palavras que
deixei, sem saberem de quem foram, tomando-as como suas, sem saberem para quem
e quando foram escritas.
Pode ser que cheguem dentro de
uma garrafa que vá em marés, cheguem a uma costa e sejam abertas, por alguém
que tente traduzir cada letra, cada hesitação, cada desenho feito na margem, pode
ser que um pássaro as encontre e leve a palavras para fazer o ninho, pode ser
que uma planta cresça com as raízes assim alimentadas, por palavras, e floresça
e dê fruto, pode ser que um vento as leve, e caiam onde façam falta como gotas
de chuva em terra seca.
Não sei se me consegues ler nesta
luz difusa, neste nicho, nesta sombra, não sei se me consegues nesta
tempestade, neste dia ofuscante, neste sorriso guardado, pode ser que consigas…
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