Sei de um ninho

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Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar

Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

Miguel Torga

Por vezes vou ou volto no barco “Miguel Torga”, de tudo o que li do que escreveu este poema vive dentro de mim, simples e cheio de vida, um segredo de polichinelo, pois os ovos são postos no ninho, de lá saem passarinhos e adoro pardais.
Ele nem se refere a pardais no poema, mas para mim sempre foi um pardal, um daqueles que há por todo o lado e que tem aquele ar mimoso, quase divertido, dos que pousam nos beirais da janelas, nos ramos dos arbustos e árvores no meio da cidade, que ao fim do dia atordoam com a sinfonia que fazem nas copas, um daqueles que dão saltinhos na calçada, que pousam na mesa da esplanada onde o meu tio Eduardo come um biscoito e deixa migalhas de propósito, depois vem sempre um pardal comer, olhamos um para o outro e rimos os dois, de repente somos dois miúdos com o segredo de ter um amigo alado.
Sempre foi um pardal, pequeno mas atrevido, tal como os miúdos do poema transformado em fado que canta os bandos de pardais à solta, como se fosse possível, os pardais estarem de outra forma, comparando-os a crianças.
E por vezes os meus pensamentos são assim como os pardais, dão voltas no ar, em grupo ou solitários, por vezes pousam, fazem ninho, e até se reproduzem, estremecem como um pardal caído do ninho que voltamos a colocar no local, ou com o bater apressado de coração de um pardal preso numa armadilha e que se segura num instante entre as mãos para deixar voar, livre, como qualquer pardal deve de ser, qualquer pensamento.
E tenho no meu peito, guardado, um ninho de carinho para pardais e poemas, crianças, até as que já cresceram, ideias, até as que ainda aprendem a voar e nem sequer sabem ainda assim voando fazer o pino, porque por vezes a melhor forma de vermos é inverter o mundo e a melhor forma de nos prendermos a algo é deixar voar sabendo que pousa sempre que quiser.

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