O Rio da minha vida


O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro


E o Tejo será sempre o rio da minha vida, que me perdoe o poeta, faz-me falta a sua imensidão se não o vejo, certa que há maiores e até já os vi.
Certa que não é mar, só apenas um dos que para lá correm, tem consigo uma brisa Atlântica, que me dá sabor a sal, a coisas felizes, até a naufrágios, tal como os peixes que no mar vivem e aqui voltam, berço e morredouro, será sempre o Rio da minha vida.
Não sei quando tomei essa consciência, posso precisar o momento, foi no dia em que Rio coube inteiro nos meus olhos, transbordou do meu peito até ao meu sorriso, e havia coisas bravias a crescer desordenadas entre as pedras erguidas nas suas margens, pequenos caules, as gaivotas gritavam, e é claro estava por detrás aquele rumor das marés.
Foi esse o momento exacto, não sei se era dia, noite, manhã cedo, entardecer, se a lua estava cheia, o céu cheio de nuvens cinzentas ou se o sol brilhava.
Nem sei se era assim, ou muito pequena, mal segura numa mão grande, nem se a maré estava cheia e brilhante ou vazia com um tapeto aveludado de lodo, algas e pequenas poças, enfeitadas por salgadeiras.
Será sempre o meu Rio, o Tejo, por estes dias é estrada também, caminho nele a uma hora, entre sono e um ligeiro torpor, vislumbro moinhos entre vidros sujos, encontro rostos conhecidos, há um cheiro a café, a pão torrado, cabos molhados, o ranger do passadiço onde todos passamos, olho e observo como espectadora de um filme onde também entro, atraco num cais que é fechado, mas onde o rio lambe devagar o casco do barco.
Cada barco tem um nome cada um poeta, de versos ou prosas, poetas, cada gaivota que paira também, é dali que vejo a Cidade, velha e nova, como camadas, monumental e popular, uma espécie de presépio aninhado entre colinas feito de peças soltas.
Regresso depois, na mesma estrada do rio, o mesmo ranger, os mesmo poetas embarcados, o cheiro a cervejas, a suor, a sonolência espaçada entre lugares, até chegar á minha margem, por vezes em gloriosas despedidas de azul e ouro.
O Tejo, não é o rio da minha aldeia, será o Rio da minha vida e faz pensar em tudo, não só em estar ao pé dele.


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