O resto do mundo parou


Estão naquela idade em que já não são crianças, ainda não são bem adultos, aquele período mágico, por vezes doloroso, onde tanta coisa marca, acontece, esquece, começa, acaba, e onde temos tudo pela frente como um caderno em branco.
Passaram a fase das orelhas muito grandes, ou das pernas que cresceram de repente o que lhes dá um ar desengonçado, ele já tem a voz firme de adulto, é alto, caramba são tão altos agora, crescem tão depressa, tem um olhar esquivo, o cabelo revolto, três mochilas, aquele ar de distraído atento.
Ela é baixinha, magra, mas já com o corpo torneado, com as formas de sereia como é típico nesta fase, com os cabelos longos, porque nalguma fase todas as raparigas tiveram cabelos longos, um sorriso que parece trazer mais sol à rua.
Primeiro falam de coisas triviais, eu saí para uma pausa, ele atende o telefone e diz “Sim, pai estou a caminho!”, ela ri, divertida.
Ele pergunta-lhe algo sobre um jogo, ela que sim que vai ver, ele fala num José, ela franze o sobrolho, espanta-se como uma flor ofendida, diz que nem o conhece muito bem, ele vai sussurrando algo sobre saírem os dois depois do jogo mas querer ter a certeza, porque afinal é amigo do José e não quer estar no caminho de ninguém, diz aquilo como se ensaiado muitas vezes, como aquele poema que nos calhou declamar em público e temos pavor de bloquear, não conseguir, gaguejar, enganar, esquecer…ela reafirma, não nem está nem aí com o José.
Ele descontrai inteiro, ombros, ruga da testa, ar compenetrado, voz, costas, ela está rosada, corada.
Ele continua a falar, coisas muito triviais, mas ao mesmo tempo estende a mão e toca-lhe no cabelo, ela dá um passo em frente, ele sorri, acaricia a nuca, ela sorri, olham-se com aqueles olhares compridos, ele coloca-lhe o braço nos ombros ela encaixa-se nesse espaço, antes de sussurrar “até amanhã” ele beija-lha a medo o cabelo, ela fecha os olhos, cora sorri e murmura “até amanhã”.
Ele segue a rua a gingar com as mochilas, se lhe pedirem para dar um pontapé na lua, ele tenta, ela entra corada e de sorriso aberto, antes de ele chegar à esquina ela olha e ele vira-se, sorriem os dois.
Não dão pelo meu sorriso, nem por ninguém, naquele instante o sol brilha só para eles, os pássaros também chilreiam só para eles, desconfio que o sorriso continuou tatuado neles, em mim também.

(Foto do Carlos Matos)

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