Janelas, porque gosto


Gosto de janelas, pelos motivos óbvios de entrar luz, ar, mas não só, as janelas especiais, uma moldura para a vida, para o resto lá fora, uma moldura diferente, pode ser uma cantaria simples e uma portada de madeira, pode ser mais elaborada, pode ser o resto de uma janela, uma sacada, com ferros forjados, de guilhotina, aos quadradinhos de vidro, num vidro rachado, pode até ser feia…não deixa de ser uma passagem.
Tinha sete anos e lembro-me de uma janela embaciada por onde corriam gotas de água e eu em bicos de pé para chegar lá e desenhar enquanto em casa se ouvia o rádio e esperava-se notícias, foi uma manhã de Abril, 25, depois clareou o dia num sol radioso, a janela da casa da minha avó, cantaria branca, portadas de madeira, cortinados holandeses; ou a janela onde espreitei pela primeira vez o meu filho que não queria sair de dentro de mim, um vidro grande, grosso, onde ele estava num berço de acrílico, amarrotado pelos ferros; ou a janela de um comboio onde parece que a vida passa lá fora, Santa Apolónia-Campanhã, a paisagem a mudar a encher-se de verde e de socalcos; ou o comboio-correio, Barreiro-Algarve; as janelas de cartão recortadas num caixote que fazíamos casa de brincar ou as de papel, do calendário de advento, em cada uma surpresa doce; ou num carro a ver prados tenros, bichos novos numa Primavera, campos de girassóis, charnecas; num hospital muito tarde na espera de resultados de analises nos intervalos em que o meu filho mais novo, ligado a fios e tubos com as horas a escorrer devagar; uma janela de autocarro embaciada por onde a Cidade passa, as pessoas apressadas, os turistas, os miúdos para a escola, o adolescentes enamorados, os velhos a arrastar os pés, os prédios antigos e os novos, os anúncios de néon, as fachadas de azulejos e as lojas da moda, as ruinas com taipais quebrados…
A janela junto ao mar, onde o sol e céu  se confundem.
A janela que ainda não se abriu, aberta para o futuro.





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