Crónicas de Algibeira – Sortido de vacinas paternais

Hoje é incontornável é o dia do pai, costumo dizer que sinto a falta do meu todo os dias e é verdade, mas por outro lado está sempre comigo, nos genes, no tom de pele, nos olhos, nos lábios cheios, em certos gostos, manias, gestos, maneirismos e num certo sentido de humor muito particular.
A propósito de ser dia do pai, o pai dos meus filhos conseguiu estar com os dois hoje, que é uma coisa engraçada, e a minha amiga Beli mandou-me a coisa mais descabida sobre o tema que me fez rir até às lágrimas e nos deu asas a especulação e dissertarmos num humor negro que também partilhamos, é isso, apesar de todas as diferenças físicas, de uma vivencia e amigos comuns, partilhamos um nome próprio, a orfandade e certo sentido de humor que pode ser incompreensível para muita gente, já agora o amor pela culinária, por algumas músicas, por coisas non-sense e talvez a fama de sermos meio fechadas, mas temos esta mania, de nos abrirmos para quem queremos.
Restam-me três tios com partilha genética, e dois sem partilha genética nenhuma, mas que um deles assumiu tanta vez um papel paternal como eu assumo um filial, portanto a coisa não está mal, gosto de todos, tenho algumas coisas que me ligam genética e flagrantemente a alguns, incluindo o sentido de humor do meu tio Quitó, uma forma estranha de guardar emoções com o meu tio Eduardo e uma herança moral com o meu tio Helder.
Pensando bem, sou uma sortuda, com tanta figura paterna, todos mais ou menos me tratam como a “menina” até porque um passeou-me de carrinho de bebé como chamariz para as raparigas, outro deu-me parte do nome, com outro partilho outros trilhos, resta aquele com que ralho mas não resisto a “mimar”, e o que descobriu comigo que se podia relacionar com a minha geração.
Mais ainda todos me tratam como uma menina, mulher, ralham por fumar, por não descansar que baste, até por não me divertir e sair, quase todos recorrem a mim em caso de crise, que é sinal que confiam no meu discernimento e capacidade de resolver berbicachos, depois sei que todos partilham um certo orgulho em mim e isso é muito bom, é um casulo protector, tal como uma vacina.
Portanto é assim que funciona, todos nascemos um livro em branco, prontos a escreverem o que quiserem, a qualidade do material, a encadernação, já lá está, o resto escreve-se, a começar pelo titulo, por cada braçada que me ensinaram a dar aprendi a nadar, e não foi o meu pai, por cada abraço que me deram, protegeram-me contra os momentos mais agrestes, cada vez que ralham é porque se importam, por cada vez que me seguraram o selim até eu conseguir pedalar e manter-me, ajudaram-me a fazer o meu caminho, por cada cumplicidade ganha-se defesas para outras coisas, por cada gargalhada o anticorpo para as coisas mesquinhas, portanto estou vacinada paternalmente, a imunidade que me deram e dão, ficará em mim, mesmo quando não estiverem cá estão na mesma, em cada página de mim há um pouco deles.


(foto de Carlos Matos, o homem que me fotagrafa a mente por telepatia sem fios)

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