Coisas perdidas e achadas…








A minha especialidade é perder coisas, coisas variadas, tanto podem ser chaves, como cartões, documentos, brincos, exames médicos, agulhas de tricot, chaves, pincéis, colares, fotografias, enfim coisas.
Por vezes não as perco, só as arrumo de forma a nunca mais me lembrar onde arrumei, sei que as arrumei muito bem com o comentário de “…fica aqui para saber onde está”, invariavelmente nunca mais tenho consciência do local onde as arrumei e faço a chamada pesquisa louca e revisto: todos os bolsos dos casacos, todas as malas, todos os sacos de praia, todas as gavetas, todas as bolsas, todas as caixas e baús…
Invariavelmente, também, encontro outras coisas, não aquelas que procurava inicialmente e só o facto das encontrar faz-me sentir bem com o facto de nunca as ter deitado fora: fotografias de crianças que já são adultos; recados trocados no secundário escritos em pedaços de caderno escolar pela a mesma amiga que me ligou hoje de manhã a queixar-se da vida e a saber se estou bem; orlas de jornais, aquele espaço em branco onde acabam as letras mas ainda não acabou o jornal, cheias de desenhos de barcos feitos a esferográfica, barcos desenhados pelo meu pai, barcos de perfil e com cortes transversais e medidas escritas entre parêntesis, o meu pai que nasceu junto ao Tejo e mal sabia nadar e que adorava barcos, em cada cidade visitávamos as docas, os portos com o odor do mar e os gritos das gaivotas como pano de fundo aquele passeio; encontrei ainda a lembrança dos pés da minha irmã acabada de nascer, pequeninos com pequenos rolos de lã entre os dedos, farrapos das botinhas que eu lhe descalcei para examinar aquela pequena amostra de pés; e os cheiros, do meu tio Mário a Cigarrilhas e Brut, da minha avó a Colónia 4711, do Verão a figos maduros que só combinam com o som atordoante de mil cigarras, da Bolema de maçã que a minha mãe faz, que cheira a pão fresco, canela e Outono; e o sorriso cúmplice que foi trocado, depois de fazer amor, que tinha consigo a certeza que iria ser por muitos anos, ainda dura; ainda o suspiro de alivio em uníssono que eu e o meu filho mais velho emitimos da primeira vez que o aninhei ao meu colo depois de três dias de trabalho de parto; o cheiro a bebé de todos os bebés que já peguei ao colo; a cumplicidade da infância com os meus primos, todos de joelhos esfolados pintados com mercúrio, a devorar todos os frutos de um medronheiro ao sol, e o sabor, também encontrei o sabor, quase sensual, da polpa quente, macia e incandescente do medronho; o beliscão, é verdade o beliscão da minha prima Aurora que se fazia acompanhar de uma fatia de pão com geleia de marmelo, já não há, ela morreu com 90 anos e tratou-me sempre como se eu tivesse 5 e levou o sabor daquela geleia; o olhar trocista do meu filho mais novo da primeira vez que encarou comigo, um olhar de adulto, destemido e avaliador, como se já percebesse o mundo; bilhetes de concertos e filmes que nunca mais me esqueci…
Não encontrei o que procurava, encontrei muito mais…

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