Um certo tom vegetal....


Os pinheiros tem os troncos negros, como estacas, acabam depois numa rama verde escura, estão húmidos e existem assim coisas a germinar por debaixo das carumas já secas, acamadas, mortas? Adormecidas, talvez.

As gaivotas enganaram-se nos caminhos junto às águas e chegam assim a zonas secas, onde se adivinham rios, depois mar, mas só se adivinham, os outros pássaros ficam confusos, não há flores, tudo está meio adormecido como numa história, que não me lembro, nem do Era uma vez, nem do Vitória, acabou-se a história.

Pode ser uma história qualquer, a história de um passeio no pinhal de uma menina pequena, que sorri a cada nuvem de bafo porque está frio, que se encanta com líquenes e cogumelos, nascidos dos restos de Verão, com as chuvas de Outono e o frio de Inverno, que crescem tenros, silenciosos e secretos, que encolhe os ombros para sentir o calor da roupa, e em cada camada de caruma que pisa adivinha ruídos estranhos, como o estalar das cascas das arvores, as cascas das arvores que têm aquele tom vegetal tão próprio, que uma rapariga mais crescida, que bafeja ar quente para as mãos, enrola mais o cachecol, aquela rapariga crescida acha aquele tom vegetal igual ao tom de certos olhares, há uma mulher também, uma mulher que respira fundo aquele odor de arvores, um odor natural, não em spray, vaporizador, que se lembra de outras caminhadas, de amparar passos hesitantes de quem começa a andar, que ensinou que aqueles chapelinhos estranhos cheiram bem, ao odor do eucalipto, que ensina uma música compassada e repetitiva com lobos a uivar e cucos a cantar na floresta, que noutros dias mais quentes diz “Psiuu! Escuta, o cuco!”, essa mulher passou só ao lado dos pinheiros, hoje, com um olhar de cobiça, lembrou-se que uma parte de si é essa menina, essa rapariga, é ela agora, provavelmente mais velha, de manchas nas mãos e passos incertos deverá continuar-se a maravilhar com o tom vegetal das cascas das árvores.

Comentários

só planície disse…
essas cascas de árvores são mesmo importantes! andam sempre presentes em ti. talvez tú própria, numa história antiga que começou há milhões de anos, já tenhas sido uma árvore, um pinheiro, talvez? assim como eu, que sou uma azinheira
Fernando Samuel disse…
E a tal sexta feira, que tal foi?...

Um beijo.
Zorze disse…
Ana,

As viagens no tempo mentais são importantes efectua-las e compreender as mudanças e o que se mantém, entendendo assim a base de nossa essência.

O comentário da "sou uma azinheira" é muito interessante. É que é mesmo assim. Já vestimos várias formas de existência física. É a vida.
Não conhecemos o início, talvez ainda, não teremos actualmente recursos cognitivos para entender a origem.

Beijos,
Zorze
Anónimo disse…
O texto lindo!
A imagem linda!
A música magnífica!

E tu aninhas, como vais?

Uma alma livre como tu, não pode estar presa, é muito injusto!!

Bjs

Lagartinha de Alhos Vedros
Ana Camarra disse…
Azinheira Amiga

A ser gostava de ser um pinheiro manso, não muito longe do mar.

Fernando Samuel

A tal sexta feira foi mais uma aprendizagem.

Zorze

È capaz.

Lagartinha

estar presa é muito cansativo.

Beijos