Em 1975 e até ao princípio dos anos 80, conheci outro Alentejo.
O meu pai largou uma posição de gerente de um complexo de serrações, que por acaso era em Alcácer, trocou isso por um terço do salário, sem descanso, era chamado ás 5h00 depois de ter chegado ás 2h00.
Num plano muito pessoal lembro-me das crises que tinha de sonambulismo que seriam fruto desse cansaço, mas participava em algo que acreditava.
Trabalhava na CRA, Cooperativa Reforma Agrária, uma central destinada a dar apoio técnico diverso (logística, maquinaria, veterinários, etc.) ás UCP’s, para quem não sabe Unidades Colectivas de Produção, a Reforma Agrária.
O meu pai largou uma posição de gerente de um complexo de serrações, que por acaso era em Alcácer, trocou isso por um terço do salário, sem descanso, era chamado ás 5h00 depois de ter chegado ás 2h00.
Num plano muito pessoal lembro-me das crises que tinha de sonambulismo que seriam fruto desse cansaço, mas participava em algo que acreditava.
Trabalhava na CRA, Cooperativa Reforma Agrária, uma central destinada a dar apoio técnico diverso (logística, maquinaria, veterinários, etc.) ás UCP’s, para quem não sabe Unidades Colectivas de Produção, a Reforma Agrária.
Nessa altura em dias de férias eu ia com ele, de madrugada, pelo Alentejo.
Aprendi montes de coisas, histórias de mulheres que pariam debaixo de uma azinheira e mal se conseguiam suster recomeçavam a ceifa, porque eram tão poucos os meses de trabalho que não os podiam perder, histórias de meninos que aos 5 anos começavam a ir sós para montes e charnecas, pastar ovelhas, guardar porcos, com pouco mais que algum pão duro no bornal, histórias das praças de jornas em que os homens eram escolhidos como escravos para meia dúzia de dias de trabalhos mal pagos.
Histórias de revolta, revolta de ver chegar camionetas de “ratinhos” (pessoal do norte que me perdoe), irmãos de fome e miséria, mas que acabavam por retirar a força ás lutas aceitando trabalhar por menos.
Histórias de quem era preso por caçar uma lebre, uma perdiz para matar a fome aos filhos.
Nas UCP’s vi várias coisas, vi velhos, muito velhos trabalharem com gosto porque trabalhavam para que não existissem mais meninos a guardar porcos aos 5 anos, nem com fome.
Vi as casas dos antigos donos dos latifúndios, intocáveis, com as louças, as roupas, as fotos, no lugar onde sempre tinham estado.
Assisti a uma entrega de uma herdade a um homem que nunca tinha sido seu dono, escoltado pela GNR, ao desespero de todos que ali trabalhavam de ver assim o seu suor, trabalho e sonho de uma vida melhor ser roubado á força.
Nessa labuta o meu pai sofreu o primeiro enfarte numa noite interminável em retiravam o gado de uma UCP preste a ser entregue, para outra, o gado não existia ali antes, o último bezerro teimoso não queria também largar aquela terra, o meu pai estupidamente agarrou-o pelos flancos e colocou-o na carrinha, assim a peso.
Conduziu toda a noite e sofreu o enfarte.
Fiquei para sempre apaixonado pelos campos imensos de tremocilha, para azotar a terra, aprendi, pelos podengos e perdigueiros, pelo sabor dos coentros, pela firmeza daquela gente.
Claro que alguns vão chamar a atenção para excessos, não discuto, as revoluções são assim diques de frustrações, raivas, opressões, fomes e injustiças que se rompem e levam tudo á sua frente.
Comentários
A minha experiência na RA foi na UCP Pedro Soares, em Montemor, e foram fins de semana de trabalho voluntário que jamais esquecerei...
Um beijo
Abreijos.
Que raio se está a passar no nosso País?
E as histórias de incestos e semi-violações perdidas nas searas dos tempos.
Pelo que ouvi, foram muitas, contadas na 1ª pessoa, com bagaços na mesa e lágrimas a escorrem pelos olhos. São filhos dos tempos e que em alturas de carência inventaram a açorda para enganar a fome. Hoje, a açorda é moda.
Beijos,
Zorze
O Conde ou o Marquês - que na Idade Média fazia o papel de ministro da defesa contra invasões exteriores, que fazia de polícia e de juiz e impunha a justiça, e que administrava as suas terras acudindo a uma aldeia aflita redistribuindo comida – passou, na Renascença, a viver dos rendimentos, na corte do Rei, numa existência perfeitamente inútil. Os franceses cortaram-lhes a cabeça.
Hoje, em que há uma minoria, cada vez menor, pornograficamente rica, e em que há uma maioria, cada vez maior, escandalosamente pobre, é chegado o momento de uma grande revolta. Os dois milhões de pobres que acordem do torpor. Os milhões de putos sem futuro que abram os olhos. Os precarizados que percebam que não têm de viver eternamente com dois tostões no bolso e no eterno terror do dia seguinte.
Todo este sofrimento para que os Salgados e os Jardim Gonçalves sorriam...
Beijo
no meu abraço... liberdade
Salvoconduto-Mas ainda assim não conseguem matar o sonho de justiça.
José Espremido até ao Tutano- O que se passa no nosso país é uma ofensiva brutal contra tudo o que conquistou no 25 de Abril, que não podemos deixar que aconteça.
Zorze-Não tenho essa experiência que relatas, mas admito que sim.
Diogo-Pois é fundamental que abram os olhos porque é possivél outra sociedade.
Duarte-Virão amigo, um dia virão, até lá lutamos.
Beijos
Um beijo.
E para dar os parabéns pela brilhante imagem que fizeste do Alentejo. É uma terra que não se explica nem se compreende... Apenas se sente.
Mais uma coisa que está por fazer neste país.
AP
Obrigado, espero que 2009 seja para ti um bom ano também.
Pois o Alentejo é assim, como dizes, tal e qual.
Beijos
Mas ela é uma falsa divisão!... Não existe neste País, dimensão suficiente, que justifique existir 2 povos. Somos apenas 1 povo!
Um povo que um dia se uniu e o País progrediu, será ssim tão dificil uni-lo de novo?
Xôxos
Ouss